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Leia o texto a seguir.
Com o Pé na Cova
Segunda-feira última, ao entrar no Golden
Room do Copacabana para a estreia do novo
espetáculo de Carlos Machado, tive a mão
[5] vivamente apertada por um dos maîtres da casa,
velho chapa meu. Notei que me olhava com um ar
ansioso.
– Como é? – perguntei-lhe. – Tudo em
ordem?
[10] – Puxa, dr. Vinícius... – O senhor nem sabe
como estou satisfeito! Imagine que hoje de tarde
andou correndo que o senhor tinha morrido...
Fiz, por via das dúvidas, a minha figa, com o
pai de todos e o fura-bolos, pensando na mãe do
[15] autor da gracinha. Mas a real satisfação do maître
meu amigo compensou-me de um certo mal-estar
deixado pela notícia. Fiquei considerando que ela
realmente vai acontecer um dia e... – mas deixa
para lá. Entrei na boate lembrando-me de que, se
[20] há um homem que pode dizer já ter estado “com o
pé na cova”, literalmente, esse homem sou eu.
Foi em Los Angeles, aí por 1947. Com o cônsul
em férias, achava-me eu encarregado do nosso
consulado e um belo dia eis que me aparece por
[25] lá um marinheiro brasileiro: um bom paraibano,
com um sotaque pastoso, que havia fugido de um
navio, no porto de São Francisco, e depois de viajar
de carona até Los Angeles, esfaimado, resolvera
apresentar-se. Tomei os necessários dados, dei-
[30] lhe um dinheirinho para que comesse num
drugstore embaixo e arrumasse um hotel, e pedi-
lhe que se mantivesse em contato comigo,
enquanto tratava de sua repatriação.
Dia seguinte, surge-me um cidadão da polícia
[35] de San Diego, porto vizinho a Los Angeles, para
dizer-me que um brasileiro havia sido esmagado
por um trem, por se encontrar deitado na linha
férrea. Reconheci, na carteira profissional que me
foi apresentada, o retrato do meu bom paraibano.
[40] Tinha-se “mandado”. Fiz um telegrama ao
Itamaraty, pedindo autorização para fazer
embalsamar o corpo e proceder ao enterro e, três
dias depois, dirigidos por dois agentes da
companhia funerária que havíamos tratado, eu e o
[45] então auxiliar contratado Maurício Fernandes – que
posteriormente entrou firme no negócio de hotéis
e continua sempre um bom amigo – dirigimo-nos
para o cemitério de Forest Law: cenário do famoso
romance The Loved One, de Evelyn Waugh;
[50] cemitério onde se ouve música piegas sair de todos
os lados e que, no meu tempo, mantinha cartazes
de publicidade nas ruas de Los Angeles com os
seguintes dizeres: “Sleep under the
stars...”(“Durma sob as estrelas”).
[55] Uma vez chegados, um dos agentes acionou
um mecanismo que fez o caixão sair
automaticamente do coche, já em posição de ser
retirado. E assim o levamos nós, com Maurício
Fernandes e eu nas alças de trás, até a cova que
[60] havíamos adquirido para o nosso bom paraibano.
Mas de uma coisa não sabia eu: que com essa
mania de disfarçar a morte que têm os americanos
(maquilar os defuntos etc.), existe também o
curioso costume de tapar o buraco da cova, até a
[65] hora da descida do caixão, com um tapetinho de
um material verde parecendo chenile – o que a
integra na relva circundante.
E foi exatamente onde eu pisei e desapareci,
deixando o caixão sobre mim, por um momento,
[70] em posição bastante precária, devido ao
desequilíbrio causado pela minha queda. Aí veio
todo o mundo me ajudar a sair da cova, mas eu,
apesar de um pouco arranhado nas pernas, ao dar
com a cara entre aflita e irônica de Maurício
[75] Fernandes a me estender a mão, desabei numa
tal gargalhada que foi uma luta para me tirarem
dali. Dobrava-me de tanto rir. Meu riso contagiouo,
e nós não podíamos mais olhar um para o outro.
Ríamos, ríamos, e foi rindo assim, em frouxos
[80] alternados, que demos sepultura ao nosso pobre
patrício. E não sem muitos olhares de censura
dos dois funerários, absolutamente imperturbáveis
no exercício do seu piedoso dever.
MORAES, Vinícius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998.
Na linha 28, a palavra “esfaimado” só não pode ser entendida como
Leia o texto a seguir.
Com o Pé na Cova
Segunda-feira última, ao entrar no Golden
Room do Copacabana para a estreia do novo
espetáculo de Carlos Machado, tive a mão
[5] vivamente apertada por um dos maîtres da casa,
velho chapa meu. Notei que me olhava com um ar
ansioso.
– Como é? – perguntei-lhe. – Tudo em
ordem?
[10] – Puxa, dr. Vinícius... – O senhor nem sabe
como estou satisfeito! Imagine que hoje de tarde
andou correndo que o senhor tinha morrido...
Fiz, por via das dúvidas, a minha figa, com o
pai de todos e o fura-bolos, pensando na mãe do
[15] autor da gracinha. Mas a real satisfação do maître
meu amigo compensou-me de um certo mal-estar
deixado pela notícia. Fiquei considerando que ela
realmente vai acontecer um dia e... – mas deixa
para lá. Entrei na boate lembrando-me de que, se
[20] há um homem que pode dizer já ter estado “com o
pé na cova”, literalmente, esse homem sou eu.
Foi em Los Angeles, aí por 1947. Com o cônsul
em férias, achava-me eu encarregado do nosso
consulado e um belo dia eis que me aparece por
[25] lá um marinheiro brasileiro: um bom paraibano,
com um sotaque pastoso, que havia fugido de um
navio, no porto de São Francisco, e depois de viajar
de carona até Los Angeles, esfaimado, resolvera
apresentar-se. Tomei os necessários dados, dei-
[30] lhe um dinheirinho para que comesse num
drugstore embaixo e arrumasse um hotel, e pedi-
lhe que se mantivesse em contato comigo,
enquanto tratava de sua repatriação.
Dia seguinte, surge-me um cidadão da polícia
[35] de San Diego, porto vizinho a Los Angeles, para
dizer-me que um brasileiro havia sido esmagado
por um trem, por se encontrar deitado na linha
férrea. Reconheci, na carteira profissional que me
foi apresentada, o retrato do meu bom paraibano.
[40] Tinha-se “mandado”. Fiz um telegrama ao
Itamaraty, pedindo autorização para fazer
embalsamar o corpo e proceder ao enterro e, três
dias depois, dirigidos por dois agentes da
companhia funerária que havíamos tratado, eu e o
[45] então auxiliar contratado Maurício Fernandes – que
posteriormente entrou firme no negócio de hotéis
e continua sempre um bom amigo – dirigimo-nos
para o cemitério de Forest Law: cenário do famoso
romance The Loved One, de Evelyn Waugh;
[50] cemitério onde se ouve música piegas sair de todos
os lados e que, no meu tempo, mantinha cartazes
de publicidade nas ruas de Los Angeles com os
seguintes dizeres: “Sleep under the
stars...”(“Durma sob as estrelas”).
[55] Uma vez chegados, um dos agentes acionou
um mecanismo que fez o caixão sair
automaticamente do coche, já em posição de ser
retirado. E assim o levamos nós, com Maurício
Fernandes e eu nas alças de trás, até a cova que
[60] havíamos adquirido para o nosso bom paraibano.
Mas de uma coisa não sabia eu: que com essa
mania de disfarçar a morte que têm os americanos
(maquilar os defuntos etc.), existe também o
curioso costume de tapar o buraco da cova, até a
[65] hora da descida do caixão, com um tapetinho de
um material verde parecendo chenile – o que a
integra na relva circundante.
E foi exatamente onde eu pisei e desapareci,
deixando o caixão sobre mim, por um momento,
[70] em posição bastante precária, devido ao
desequilíbrio causado pela minha queda. Aí veio
todo o mundo me ajudar a sair da cova, mas eu,
apesar de um pouco arranhado nas pernas, ao dar
com a cara entre aflita e irônica de Maurício
[75] Fernandes a me estender a mão, desabei numa
tal gargalhada que foi uma luta para me tirarem
dali. Dobrava-me de tanto rir. Meu riso contagiouo,
e nós não podíamos mais olhar um para o outro.
Ríamos, ríamos, e foi rindo assim, em frouxos
[80] alternados, que demos sepultura ao nosso pobre
patrício. E não sem muitos olhares de censura
dos dois funerários, absolutamente imperturbáveis
no exercício do seu piedoso dever.
MORAES, Vinícius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998.
Leia as alternativas a seguir e assinale a opção correta.
I. O autor, na crônica, lembra-se de que já esteve, literalmente, com o pé na cova.
II. O texto, no terceiro parágrafo, explica quem era Maurício Fernandes.
III.Não há, na narrativa, referências à morte do marinheiro paraibano
Leia o texto a seguir.
Com o Pé na Cova
Segunda-feira última, ao entrar no Golden
Room do Copacabana para a estreia do novo
espetáculo de Carlos Machado, tive a mão
[5] vivamente apertada por um dos maîtres da casa,
velho chapa meu. Notei que me olhava com um ar
ansioso.
– Como é? – perguntei-lhe. – Tudo em
ordem?
[10] – Puxa, dr. Vinícius... – O senhor nem sabe
como estou satisfeito! Imagine que hoje de tarde
andou correndo que o senhor tinha morrido...
Fiz, por via das dúvidas, a minha figa, com o
pai de todos e o fura-bolos, pensando na mãe do
[15] autor da gracinha. Mas a real satisfação do maître
meu amigo compensou-me de um certo mal-estar
deixado pela notícia. Fiquei considerando que ela
realmente vai acontecer um dia e... – mas deixa
para lá. Entrei na boate lembrando-me de que, se
[20] há um homem que pode dizer já ter estado “com o
pé na cova”, literalmente, esse homem sou eu.
Foi em Los Angeles, aí por 1947. Com o cônsul
em férias, achava-me eu encarregado do nosso
consulado e um belo dia eis que me aparece por
[25] lá um marinheiro brasileiro: um bom paraibano,
com um sotaque pastoso, que havia fugido de um
navio, no porto de São Francisco, e depois de viajar
de carona até Los Angeles, esfaimado, resolvera
apresentar-se. Tomei os necessários dados, dei-
[30] lhe um dinheirinho para que comesse num
drugstore embaixo e arrumasse um hotel, e pedi-
lhe que se mantivesse em contato comigo,
enquanto tratava de sua repatriação.
Dia seguinte, surge-me um cidadão da polícia
[35] de San Diego, porto vizinho a Los Angeles, para
dizer-me que um brasileiro havia sido esmagado
por um trem, por se encontrar deitado na linha
férrea. Reconheci, na carteira profissional que me
foi apresentada, o retrato do meu bom paraibano.
[40] Tinha-se “mandado”. Fiz um telegrama ao
Itamaraty, pedindo autorização para fazer
embalsamar o corpo e proceder ao enterro e, três
dias depois, dirigidos por dois agentes da
companhia funerária que havíamos tratado, eu e o
[45] então auxiliar contratado Maurício Fernandes – que
posteriormente entrou firme no negócio de hotéis
e continua sempre um bom amigo – dirigimo-nos
para o cemitério de Forest Law: cenário do famoso
romance The Loved One, de Evelyn Waugh;
[50] cemitério onde se ouve música piegas sair de todos
os lados e que, no meu tempo, mantinha cartazes
de publicidade nas ruas de Los Angeles com os
seguintes dizeres: “Sleep under the
stars...”(“Durma sob as estrelas”).
[55] Uma vez chegados, um dos agentes acionou
um mecanismo que fez o caixão sair
automaticamente do coche, já em posição de ser
retirado. E assim o levamos nós, com Maurício
Fernandes e eu nas alças de trás, até a cova que
[60] havíamos adquirido para o nosso bom paraibano.
Mas de uma coisa não sabia eu: que com essa
mania de disfarçar a morte que têm os americanos
(maquilar os defuntos etc.), existe também o
curioso costume de tapar o buraco da cova, até a
[65] hora da descida do caixão, com um tapetinho de
um material verde parecendo chenile – o que a
integra na relva circundante.
E foi exatamente onde eu pisei e desapareci,
deixando o caixão sobre mim, por um momento,
[70] em posição bastante precária, devido ao
desequilíbrio causado pela minha queda. Aí veio
todo o mundo me ajudar a sair da cova, mas eu,
apesar de um pouco arranhado nas pernas, ao dar
com a cara entre aflita e irônica de Maurício
[75] Fernandes a me estender a mão, desabei numa
tal gargalhada que foi uma luta para me tirarem
dali. Dobrava-me de tanto rir. Meu riso contagiouo,
e nós não podíamos mais olhar um para o outro.
Ríamos, ríamos, e foi rindo assim, em frouxos
[80] alternados, que demos sepultura ao nosso pobre
patrício. E não sem muitos olhares de censura
dos dois funerários, absolutamente imperturbáveis
no exercício do seu piedoso dever.
MORAES, Vinícius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998.
Em “...para dizer-me que um brasileiro havia sido esmagado por um trem, por se encontrar deitado na linha férrea.”(linhas 35-38), a classe gramatical da palavra sublinhada é
Leia o texto a seguir.
Com o Pé na Cova
Segunda-feira última, ao entrar no Golden
Room do Copacabana para a estreia do novo
espetáculo de Carlos Machado, tive a mão
[5] vivamente apertada por um dos maîtres da casa,
velho chapa meu. Notei que me olhava com um ar
ansioso.
– Como é? – perguntei-lhe. – Tudo em
ordem?
[10] – Puxa, dr. Vinícius... – O senhor nem sabe
como estou satisfeito! Imagine que hoje de tarde
andou correndo que o senhor tinha morrido...
Fiz, por via das dúvidas, a minha figa, com o
pai de todos e o fura-bolos, pensando na mãe do
[15] autor da gracinha. Mas a real satisfação do maître
meu amigo compensou-me de um certo mal-estar
deixado pela notícia. Fiquei considerando que ela
realmente vai acontecer um dia e... – mas deixa
para lá. Entrei na boate lembrando-me de que, se
[20] há um homem que pode dizer já ter estado “com o
pé na cova”, literalmente, esse homem sou eu.
Foi em Los Angeles, aí por 1947. Com o cônsul
em férias, achava-me eu encarregado do nosso
consulado e um belo dia eis que me aparece por
[25] lá um marinheiro brasileiro: um bom paraibano,
com um sotaque pastoso, que havia fugido de um
navio, no porto de São Francisco, e depois de viajar
de carona até Los Angeles, esfaimado, resolvera
apresentar-se. Tomei os necessários dados, dei-
[30] lhe um dinheirinho para que comesse num
drugstore embaixo e arrumasse um hotel, e pedi-
lhe que se mantivesse em contato comigo,
enquanto tratava de sua repatriação.
Dia seguinte, surge-me um cidadão da polícia
[35] de San Diego, porto vizinho a Los Angeles, para
dizer-me que um brasileiro havia sido esmagado
por um trem, por se encontrar deitado na linha
férrea. Reconheci, na carteira profissional que me
foi apresentada, o retrato do meu bom paraibano.
[40] Tinha-se “mandado”. Fiz um telegrama ao
Itamaraty, pedindo autorização para fazer
embalsamar o corpo e proceder ao enterro e, três
dias depois, dirigidos por dois agentes da
companhia funerária que havíamos tratado, eu e o
[45] então auxiliar contratado Maurício Fernandes – que
posteriormente entrou firme no negócio de hotéis
e continua sempre um bom amigo – dirigimo-nos
para o cemitério de Forest Law: cenário do famoso
romance The Loved One, de Evelyn Waugh;
[50] cemitério onde se ouve música piegas sair de todos
os lados e que, no meu tempo, mantinha cartazes
de publicidade nas ruas de Los Angeles com os
seguintes dizeres: “Sleep under the
stars...”(“Durma sob as estrelas”).
[55] Uma vez chegados, um dos agentes acionou
um mecanismo que fez o caixão sair
automaticamente do coche, já em posição de ser
retirado. E assim o levamos nós, com Maurício
Fernandes e eu nas alças de trás, até a cova que
[60] havíamos adquirido para o nosso bom paraibano.
Mas de uma coisa não sabia eu: que com essa
mania de disfarçar a morte que têm os americanos
(maquilar os defuntos etc.), existe também o
curioso costume de tapar o buraco da cova, até a
[65] hora da descida do caixão, com um tapetinho de
um material verde parecendo chenile – o que a
integra na relva circundante.
E foi exatamente onde eu pisei e desapareci,
deixando o caixão sobre mim, por um momento,
[70] em posição bastante precária, devido ao
desequilíbrio causado pela minha queda. Aí veio
todo o mundo me ajudar a sair da cova, mas eu,
apesar de um pouco arranhado nas pernas, ao dar
com a cara entre aflita e irônica de Maurício
[75] Fernandes a me estender a mão, desabei numa
tal gargalhada que foi uma luta para me tirarem
dali. Dobrava-me de tanto rir. Meu riso contagiouo,
e nós não podíamos mais olhar um para o outro.
Ríamos, ríamos, e foi rindo assim, em frouxos
[80] alternados, que demos sepultura ao nosso pobre
patrício. E não sem muitos olhares de censura
dos dois funerários, absolutamente imperturbáveis
no exercício do seu piedoso dever.
MORAES, Vinícius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998.
A função sintática do que está sublinhado em “E assim o levamos nós...” (linha 58) é
Leia o texto a seguir.
Com o Pé na Cova
Segunda-feira última, ao entrar no Golden
Room do Copacabana para a estreia do novo
espetáculo de Carlos Machado, tive a mão
[5] vivamente apertada por um dos maîtres da casa,
velho chapa meu. Notei que me olhava com um ar
ansioso.
– Como é? – perguntei-lhe. – Tudo em
ordem?
[10] – Puxa, dr. Vinícius... – O senhor nem sabe
como estou satisfeito! Imagine que hoje de tarde
andou correndo que o senhor tinha morrido...
Fiz, por via das dúvidas, a minha figa, com o
pai de todos e o fura-bolos, pensando na mãe do
[15] autor da gracinha. Mas a real satisfação do maître
meu amigo compensou-me de um certo mal-estar
deixado pela notícia. Fiquei considerando que ela
realmente vai acontecer um dia e... – mas deixa
para lá. Entrei na boate lembrando-me de que, se
[20] há um homem que pode dizer já ter estado “com o
pé na cova”, literalmente, esse homem sou eu.
Foi em Los Angeles, aí por 1947. Com o cônsul
em férias, achava-me eu encarregado do nosso
consulado e um belo dia eis que me aparece por
[25] lá um marinheiro brasileiro: um bom paraibano,
com um sotaque pastoso, que havia fugido de um
navio, no porto de São Francisco, e depois de viajar
de carona até Los Angeles, esfaimado, resolvera
apresentar-se. Tomei os necessários dados, dei-
[30] lhe um dinheirinho para que comesse num
drugstore embaixo e arrumasse um hotel, e pedi-
lhe que se mantivesse em contato comigo,
enquanto tratava de sua repatriação.
Dia seguinte, surge-me um cidadão da polícia
[35] de San Diego, porto vizinho a Los Angeles, para
dizer-me que um brasileiro havia sido esmagado
por um trem, por se encontrar deitado na linha
férrea. Reconheci, na carteira profissional que me
foi apresentada, o retrato do meu bom paraibano.
[40] Tinha-se “mandado”. Fiz um telegrama ao
Itamaraty, pedindo autorização para fazer
embalsamar o corpo e proceder ao enterro e, três
dias depois, dirigidos por dois agentes da
companhia funerária que havíamos tratado, eu e o
[45] então auxiliar contratado Maurício Fernandes – que
posteriormente entrou firme no negócio de hotéis
e continua sempre um bom amigo – dirigimo-nos
para o cemitério de Forest Law: cenário do famoso
romance The Loved One, de Evelyn Waugh;
[50] cemitério onde se ouve música piegas sair de todos
os lados e que, no meu tempo, mantinha cartazes
de publicidade nas ruas de Los Angeles com os
seguintes dizeres: “Sleep under the
stars...”(“Durma sob as estrelas”).
[55] Uma vez chegados, um dos agentes acionou
um mecanismo que fez o caixão sair
automaticamente do coche, já em posição de ser
retirado. E assim o levamos nós, com Maurício
Fernandes e eu nas alças de trás, até a cova que
[60] havíamos adquirido para o nosso bom paraibano.
Mas de uma coisa não sabia eu: que com essa
mania de disfarçar a morte que têm os americanos
(maquilar os defuntos etc.), existe também o
curioso costume de tapar o buraco da cova, até a
[65] hora da descida do caixão, com um tapetinho de
um material verde parecendo chenile – o que a
integra na relva circundante.
E foi exatamente onde eu pisei e desapareci,
deixando o caixão sobre mim, por um momento,
[70] em posição bastante precária, devido ao
desequilíbrio causado pela minha queda. Aí veio
todo o mundo me ajudar a sair da cova, mas eu,
apesar de um pouco arranhado nas pernas, ao dar
com a cara entre aflita e irônica de Maurício
[75] Fernandes a me estender a mão, desabei numa
tal gargalhada que foi uma luta para me tirarem
dali. Dobrava-me de tanto rir. Meu riso contagiouo,
e nós não podíamos mais olhar um para o outro.
Ríamos, ríamos, e foi rindo assim, em frouxos
[80] alternados, que demos sepultura ao nosso pobre
patrício. E não sem muitos olhares de censura
dos dois funerários, absolutamente imperturbáveis
no exercício do seu piedoso dever.
MORAES, Vinícius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998.
Em “... que havíamos adquirido para o nosso bom paraibano.” (linhas 59-60), o tempo verbal é
Para o teste seguinte, analise as afirmativas e assinale a opção correta.
I. Eça de Queirós, adepto do Realismo, é essencialmente descritivo e dramático no relato de suas histórias, que são sempre marcadas por traços da típica prosa barroca portuguesa.
II. A obra de Francisco Lobo da Costa segue o padrão do romance realista, retratando a alta sociedade paulista e sendo um gemido de dor e melancolia.
III. Moacyr Scliar, identificando-se com Olavo Bilac, consegue mesclar uma visão sensual da vida com meditações carregadas de desassossego, quebrando a impassibilidade parnasiana com um patriotismo retumbante em seus versos.