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Instrução: A questão refere-se ao texto abaixo.
Muito e pouco nas novas tecnologias*
Celso Gutfreind**
[1] “De tudo ficou um pouco”, escreveu Drummond há alguns anos, quando os tempos, talvez, fossem mais
favoráveis às imagens profundas. Para serem profundas, precisava-se de tempo e eram mesmo tempos de
mais tempo. Mas, se de tudo fica um pouco, pelo menos um pouco há de ficar dos embates sem tempo nas
redes sociais.
[5] O WhatsApp, por exemplo. Hoje proliferam os grupos de família, o que nem sempre é garantia de um en-
contro verdadeiro. Mas algo pode ter ficado da participação da avó naquele grupo. Os familiares acharam que
ela estava “variando” porque levava dias para responder a uma mensagem. No turbilhão das “trocas”, quando
vinha uma dela, ninguém mais sabia para quem era e sobre o quê.
Foram testá-la e, quando todos esperavam outra rateada, ela esclareceu: “Uso isso como se fosse o
[10] correio, com a vantagem de que não precisa de selo nem de deslocamento, mas nunca escrevo sem pensar
no que disseram e no que vou dizer.”
O grupo levou um balde de água fria, e, por um tempo, a velocidade das trocas diminuiu. Cada um agora
pensava um pouco mais antes de responder. Nicholas Carr tem um livro magnífico sobre o assunto. Chama-se
A Geração Superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros. A visão de Carr é pessimista,
[15] baseada em fatos reais e pessoais, contando (com tempo) o quanto o abuso na utilização do computador tirou
o seu foco de atividades mais profundas, como ler.
Mas Carr foi muito pouco drummondiano. No grupo daquela avó, por exemplo, pouco tempo depois, um
dos netos escreveu: “Fujam para as montanhas, que lá vem mensagem da vó.”
“Fujam para as montanhas” talvez viesse de um livro. Ou do cinema sobre o tempo da colonização ingle-
[20] sa dos EUA, quando os índios fugiam da invasão dos “homens brancos”. Pouco importa. A avó levou na brin-
cadeira, feliz que estava com a melhora do neto, capaz agora de utilizar uma imagem que só o tempo poderia
polir. E continuaram a teclar, sem fugir para as montanhas, em meio à invasão da internet.
*Texto publicado no Jornal Zero Hora, em 02 de março de 2016. Disponível em: <http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/noticia/
2016/03/celso-gutfreind-muito-e-pouco-nas-novas-tecnologias-4987345.html>. Acesso em: 27 abr. 2016. Adaptação.
**Psicanalista e escritor.
Considerando o conteúdo do texto, analise as seguintes afirmações.
I – Celso Gutfreind critica as trocas de mensagens que ocorrem nas redes sociais, como o WhatsApp, as quais são carentes de profundidade e de verdade.
II – O autor concorda plenamente com Nicholas Carr, segundo o qual as interações que ocorrem na internet são superficiais e inúteis, pois não acrescentam nada.
III – A inserção do discurso direto da avó (linhas 9-11) constitui um argumento de que se vale o autor do texto para defender a ideia de que, mesmo nas redes sociais, é preciso pensar no que se lê e no que se escreve.
Sobre as proposições acima, pode-se afirmar que
Instrução: A questão refere-se ao texto abaixo.
Muito e pouco nas novas tecnologias*
Celso Gutfreind**
[1] “De tudo ficou um pouco”, escreveu Drummond há alguns anos, quando os tempos, talvez, fossem mais
favoráveis às imagens profundas. Para serem profundas, precisava-se de tempo e eram mesmo tempos de
mais tempo. Mas, se de tudo fica um pouco, pelo menos um pouco há de ficar dos embates sem tempo nas
redes sociais.
[5] O WhatsApp, por exemplo. Hoje proliferam os grupos de família, o que nem sempre é garantia de um en-
contro verdadeiro. Mas algo pode ter ficado da participação da avó naquele grupo. Os familiares acharam que
ela estava “variando” porque levava dias para responder a uma mensagem. No turbilhão das “trocas”, quando
vinha uma dela, ninguém mais sabia para quem era e sobre o quê.
Foram testá-la e, quando todos esperavam outra rateada, ela esclareceu: “Uso isso como se fosse o
[10] correio, com a vantagem de que não precisa de selo nem de deslocamento, mas nunca escrevo sem pensar
no que disseram e no que vou dizer.”
O grupo levou um balde de água fria, e, por um tempo, a velocidade das trocas diminuiu. Cada um agora
pensava um pouco mais antes de responder. Nicholas Carr tem um livro magnífico sobre o assunto. Chama-se
A Geração Superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros. A visão de Carr é pessimista,
[15] baseada em fatos reais e pessoais, contando (com tempo) o quanto o abuso na utilização do computador tirou
o seu foco de atividades mais profundas, como ler.
Mas Carr foi muito pouco drummondiano. No grupo daquela avó, por exemplo, pouco tempo depois, um
dos netos escreveu: “Fujam para as montanhas, que lá vem mensagem da vó.”
“Fujam para as montanhas” talvez viesse de um livro. Ou do cinema sobre o tempo da colonização ingle-
[20] sa dos EUA, quando os índios fugiam da invasão dos “homens brancos”. Pouco importa. A avó levou na brin-
cadeira, feliz que estava com a melhora do neto, capaz agora de utilizar uma imagem que só o tempo poderia
polir. E continuaram a teclar, sem fugir para as montanhas, em meio à invasão da internet.
*Texto publicado no Jornal Zero Hora, em 02 de março de 2016. Disponível em: <http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/noticia/
2016/03/celso-gutfreind-muito-e-pouco-nas-novas-tecnologias-4987345.html>. Acesso em: 27 abr. 2016. Adaptação.
**Psicanalista e escritor.
Considerando o emprego de verbos e locuções verbais no texto, assinale V nas afirmações verdadeiras e F nas falsas.
( ) Se, na oração “quando os tempos, talvez, fossem mais favoráveis às imagens profundas” (linhas 1-2), o advérbio “talvez” fosse suprimido, a forma verbal “fossem” (linha 1) teria de ser substituída por “eram”.
( ) A expressão verbal “há de ficar” (linha 3) indica prospecção ou futuridade em relação ao momento da enunciação e poderia ser substituída por “ficará”.
( ) A correlação entre as formas verbais “esperavam” (linha 9) e “esclareceu” (linha 9) indica que a espera de outra rateada da avó (fato de maior duração) e o seu esclarecimento (fato pontual) ocorrem concomitantemente no marco temporal passado.
( ) A forma verbal “Fujam” (linha 19) está flexionada no modo imperativo afirmativo e tem como sujeito o pronome “vocês”, que remete aos familiares da avó.
A sequência correta, de cima para baixo, é
Famílias em transformação*
Rosely Sayão**
1. O projeto de lei que cria o Estatuto da Família colocou na pauta do dia a discussão a respeito do conceito
2. de família. Afinal, o que é família hoje? Alguém aí tem uma definição, para a atualidade, que consiga acolher
3. todos os grupos existentes que vivem em contextos familiares?
4. A Câmara dos Deputados tem a resposta que considera a certa: “Família é a união entre homem e mu-
5. lher, por meio de casamento ou de união estável, ou a comunidade formada por qualquer um dos pais junto
6. com os filhos”.
7. Essa é a definição aprovada pela Câmara para o projeto cuja finalidade é orientar as políticas públicas
8. uanto aos direitos das famílias – essas que se encaixam na definição proposta −, principalmente nas áreas de
9. segurança, saúde e educação. Vou deixar de lado a discussão a respeito das injustiças, preconceitos e exclu-
10. sões que tal definição comporta, para conversar a respeito das famílias da atualidade.
11. Desde o início da segunda metade do século passado, o conceito de família entrou em crise, e uso a
12. palavra “crise” no sentido mais positivo do termo: o que aponta para renovação e transição; mudança, enfim.
13. Até então, tínhamos, na modernidade, uma configuração social hegemônica de família, que era pautada
14. por um tipo de aliança – entre um homem e uma mulher – e por relações de consanguinidade. As mudanças
15. ocorridas no mundo determinaram inúmeras alterações nas famílias, não apenas em seu desenho, mas, prin-
16. cipalmente, em suas dinâmicas.
17. E é importante aceitar esta questão: não foram as famílias que provocaram mudanças na sociedade;
18. esta é que determinou muitas mudanças nas famílias. Só assim vamos conseguir enxergar que a família não é
19. um agente de perturbação da sociedade. É a sociedade que tem perturbado, e muito, o funcionamento familiar.
20. Um exemplo? Algumas mulheres renunciam ao direito de ficar com o filho recém-nascido durante todo
21. o período da licença-maternidade determinado por lei, porque isso pode atrapalhar sua carreira profissional.
22. Em outras palavras: elas entenderam que a sociedade prioriza o trabalho em detrimento da dedicação à famí-
23. lia. É assim ou não é?
24. Se pudéssemos levantar um único quesito que seria fundamental para caracterizar a transformação de
25. um agrupamento de pessoas em família, eu diria que é o vínculo, tanto horizontal quanto vertical. E, hoje, todo
26. mundo conhece grupos de pessoas que vivem sob o mesmo teto ou que têm relação de parentesco e que não
27. se constituem verdadeiramente em família, por absoluta falta de vínculo entre seus integrantes.
28. Os novos valores sociais têm norteado as pessoas para esse caminho. Vamos nos lembrar de valores
29. decisivos para nossa sociedade: o consumo, que valoriza o trabalho exagerado, a ambição desmedida e o
30. sucesso a qualquer custo; a juventude, que leva adultos, independentemente da idade, a adotarem um estilo
31. de vida juvenil, que dá pouco espaço para o compromisso que os vínculos exigem; a busca da felicidade, iden-
32. tificada com satisfação imediata, que leva a trocas sucessivas nos relacionamentos amorosos, como amizades
33. e par afetivo, só para citar alguns exemplos.
34. O vínculo afetivo tem relação com a vida pessoal. O vínculo social, com a cidadania. Ambos estão bem
35. frágeis, não é?
*Texto publicado na Folha de São Paulo, em 29 set. 2015. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/colunas/roselysayao/2015/09/1687809-familias-emtransformacao.shtml. Acesso em 01 out. 2015. Adaptação.
** Psicóloga e consultora educacional.
Analise as seguintes afirmações relativas ao emprego de alguns recursos linguísticos no texto.
I – Por meio da expressão “nem sempre” (linha 5), o autor refuta totalmente a ideia de que os grupos de família que proliferam no WhatsApp garantem um encontro verdadeiro.
II – O verbo auxiliar “pode” (linha 6) funciona como modalizador que relativiza a afirmação de que algo ficou da participação da avó no grupo de família citado no texto.
III – O advérbio de lugar “lá” (linha 18) tem como função retomar uma expressão antecedente: “as montanhas” (linha 18).
Sobre as proposições acima, pode-se afirmar que
Famílias em transformação*
Rosely Sayão**
1. O projeto de lei que cria o Estatuto da Família colocou na pauta do dia a discussão a respeito do conceito
2. de família. Afinal, o que é família hoje? Alguém aí tem uma definição, para a atualidade, que consiga acolher
3. todos os grupos existentes que vivem em contextos familiares?
4. A Câmara dos Deputados tem a resposta que considera a certa: “Família é a união entre homem e mu-
5. lher, por meio de casamento ou de união estável, ou a comunidade formada por qualquer um dos pais junto
6. com os filhos”.
7. Essa é a definição aprovada pela Câmara para o projeto cuja finalidade é orientar as políticas públicas
8. uanto aos direitos das famílias – essas que se encaixam na definição proposta −, principalmente nas áreas de
9. segurança, saúde e educação. Vou deixar de lado a discussão a respeito das injustiças, preconceitos e exclu-
10. sões que tal definição comporta, para conversar a respeito das famílias da atualidade.
11. Desde o início da segunda metade do século passado, o conceito de família entrou em crise, e uso a
12. palavra “crise” no sentido mais positivo do termo: o que aponta para renovação e transição; mudança, enfim.
13. Até então, tínhamos, na modernidade, uma configuração social hegemônica de família, que era pautada
14. por um tipo de aliança – entre um homem e uma mulher – e por relações de consanguinidade. As mudanças
15. ocorridas no mundo determinaram inúmeras alterações nas famílias, não apenas em seu desenho, mas, prin-
16. cipalmente, em suas dinâmicas.
17. E é importante aceitar esta questão: não foram as famílias que provocaram mudanças na sociedade;
18. esta é que determinou muitas mudanças nas famílias. Só assim vamos conseguir enxergar que a família não é
19. um agente de perturbação da sociedade. É a sociedade que tem perturbado, e muito, o funcionamento familiar.
20. Um exemplo? Algumas mulheres renunciam ao direito de ficar com o filho recém-nascido durante todo
21. o período da licença-maternidade determinado por lei, porque isso pode atrapalhar sua carreira profissional.
22. Em outras palavras: elas entenderam que a sociedade prioriza o trabalho em detrimento da dedicação à famí-
23. lia. É assim ou não é?
24. Se pudéssemos levantar um único quesito que seria fundamental para caracterizar a transformação de
25. um agrupamento de pessoas em família, eu diria que é o vínculo, tanto horizontal quanto vertical. E, hoje, todo
26. mundo conhece grupos de pessoas que vivem sob o mesmo teto ou que têm relação de parentesco e que não
27. se constituem verdadeiramente em família, por absoluta falta de vínculo entre seus integrantes.
28. Os novos valores sociais têm norteado as pessoas para esse caminho. Vamos nos lembrar de valores
29. decisivos para nossa sociedade: o consumo, que valoriza o trabalho exagerado, a ambição desmedida e o
30. sucesso a qualquer custo; a juventude, que leva adultos, independentemente da idade, a adotarem um estilo
31. de vida juvenil, que dá pouco espaço para o compromisso que os vínculos exigem; a busca da felicidade, iden-
32. tificada com satisfação imediata, que leva a trocas sucessivas nos relacionamentos amorosos, como amizades
33. e par afetivo, só para citar alguns exemplos.
34. O vínculo afetivo tem relação com a vida pessoal. O vínculo social, com a cidadania. Ambos estão bem
35. frágeis, não é?
*Texto publicado na Folha de São Paulo, em 29 set. 2015. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/colunas/roselysayao/2015/09/1687809-familias-emtransformacao.shtml. Acesso em 01 out. 2015. Adaptação.
** Psicóloga e consultora educacional.
Assinale a única afirmação correta, considerando o sentido do texto e o emprego de articuladores.
As famílias da sociedade órfã*
Rosely Sayão**
A família transformou-se em bode expiatório das mazelas de nossa sociedade. Crianças se descontrolam, brigam, desobedecem? Jovens fazem algazarras, bebem em demasia, usam drogas ilegais, namoram escandalosamente em espaços públicos? Faltou educação de berço. Como é bom ter uma “Geni” para nela atirar todas as pedras, principalmente quando se trata dos mais novos!
Até o Secretário Estadual da Educação de São Paulo, em um artigo de sua autoria, para defender sua tese de que estamos vivendo em uma “sociedade órfã”, inicia suas justificativas afirmando que “a fragmentação da família, a perda de importância da figura paterna − e também da materna − a irrelevância da Igreja e da Escola em múltiplos ambientes geram um convívio amorfo”.
As escolas também costumam agir assim: quando um aluno é considerado problemático e indisciplinado ou apresenta um ritmo de aprendizagem diferente do esperado pela instituição, a família é chamada para resolver o “problema”.
Vamos refletir sobre expressões usadas a respeito da família: “família fragmentada”, “família desestruturada”, “família disfuncional”, “família sem valores” e outras semelhantes. Não lhe parece, caro leitor, que tais expressões apontam na direção de que a família decidiu entornar o caldo da sociedade?
Não é a família que está fragmentada: é a vida. Hoje, os tratamentos médicos, o conhecimento, as metodologias, as relações interpessoais, as escolas, o Estado estão fragmentados. Mesmo não sendo a família um componente passivo nesse contexto, é salutar lembrar que ela se desenvolve conectada ao clima sociocultural em que vive.
A família não está desestruturada ou disfuncional: ela passa por um período de transição, com sucessivas e intensas mudanças, o que provoca uma redefinição de papéis e funções. Esse processo está em andamento, o que nos permite falar, hoje, não em família, mas em famílias, no plural, já que há grande diversidade de desenhos, dinâmicas etc.
As famílias não estão sem valores: elas têm valores fortes, em sua maioria eleitos pelas prioridades que a sociedade determina. O consumo é um deles: as famílias não decidiram consumir cada vez mais; foi o sistema econômico que apontou esse valor para elas.
Há problemas com a escola, sim: ela tem ensinado sem educar devido, principalmente, à primazia do conteúdo − que insisto em dizer que não é conhecimento −, às políticas públicas adotadas e à ausência de outras, prioritárias. Por isso, a escola tem tido um papel irrelevante na formação dos mais novos.
Há famílias em situações de risco e fragilidade? Há. A escola perdeu sua importância na socialização de crianças e jovens? Sim. Mães e pais podem estar mais ocupados com suas vidas do que com os filhos? Sim. Mas isso ocorre porque as ideologias socioculturais da juventude, do sucesso e da instantaneidade ganharam grande relevância, e não há políticas públicas − de novo – que busquem equilibrar tal contexto. E, mesmo assim, tem sido a família a instituição protetora dos mais novos!
A sociedade não precisa, tampouco demanda, que o Estado exerça a função de babá, de pai ou de mãe. Ela necessita que o Estado reconheça, na prática, que as famílias e a escola dependem de ações públicas de apoio ao seu pleno desenvolvimento e que garantam os seus direitos.
*Texto publicado na Folha de São Paulo, em 12 de abril de 2016. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016. Adaptação.
** Psicóloga e consultora educacional. Desde 2000, escreve para o caderno Equilíbrio da Folha de São Paulo.
Em relação ao conteúdo do texto, assinale a única alternativa correta.
As famílias da sociedade órfã*
Rosely Sayão**
A família transformou-se em bode expiatório das mazelas de nossa sociedade. Crianças se descontrolam, brigam, desobedecem? Jovens fazem algazarras, bebem em demasia, usam drogas ilegais, namoram escandalosamente em espaços públicos? Faltou educação de berço. Como é bom ter uma “Geni” para nela atirar todas as pedras, principalmente quando se trata dos mais novos!
Até o Secretário Estadual da Educação de São Paulo, em um artigo de sua autoria, para defender sua tese de que estamos vivendo em uma “sociedade órfã”, inicia suas justificativas afirmando que “a fragmentação da família, a perda de importância da figura paterna − e também da materna − a irrelevância da Igreja e da Escola em múltiplos ambientes geram um convívio amorfo”.
As escolas também costumam agir assim: quando um aluno é considerado problemático e indisciplinado ou apresenta um ritmo de aprendizagem diferente do esperado pela instituição, a família é chamada para resolver o “problema”.
Vamos refletir sobre expressões usadas a respeito da família: “família fragmentada”, “família desestruturada”, “família disfuncional”, “família sem valores” e outras semelhantes. Não lhe parece, caro leitor, que tais expressões apontam na direção de que a família decidiu entornar o caldo da sociedade?
Não é a família que está fragmentada: é a vida. Hoje, os tratamentos médicos, o conhecimento, as metodologias, as relações interpessoais, as escolas, o Estado estão fragmentados. Mesmo não sendo a família um componente passivo nesse contexto, é salutar lembrar que ela se desenvolve conectada ao clima sociocultural em que vive.
A família não está desestruturada ou disfuncional: ela passa por um período de transição, com sucessivas e intensas mudanças, o que provoca uma redefinição de papéis e funções. Esse processo está em andamento, o que nos permite falar, hoje, não em família, mas em famílias, no plural, já que há grande diversidade de desenhos, dinâmicas etc.
As famílias não estão sem valores: elas têm valores fortes, em sua maioria eleitos pelas prioridades que a sociedade determina. O consumo é um deles: as famílias não decidiram consumir cada vez mais; foi o sistema econômico que apontou esse valor para elas.
Há problemas com a escola, sim: ela tem ensinado sem educar devido, principalmente, à primazia do conteúdo − que insisto em dizer que não é conhecimento −, às políticas públicas adotadas e à ausência de outras, prioritárias. Por isso, a escola tem tido um papel irrelevante na formação dos mais novos.
Há famílias em situações de risco e fragilidade? Há. A escola perdeu sua importância na socialização de crianças e jovens? Sim. Mães e pais podem estar mais ocupados com suas vidas do que com os filhos? Sim. Mas isso ocorre porque as ideologias socioculturais da juventude, do sucesso e da instantaneidade ganharam grande relevância, e não há políticas públicas − de novo – que busquem equilibrar tal contexto. E, mesmo assim, tem sido a família a instituição protetora dos mais novos!
A sociedade não precisa, tampouco demanda, que o Estado exerça a função de babá, de pai ou de mãe. Ela necessita que o Estado reconheça, na prática, que as famílias e a escola dependem de ações públicas de apoio ao seu pleno desenvolvimento e que garantam os seus direitos.
*Texto publicado na Folha de São Paulo, em 12 de abril de 2016. Disponível em: . Acesso em: 21 abr. 2016. Adaptação.
** Psicóloga e consultora educacional. Desde 2000, escreve para o caderno Equilíbrio da Folha de São Paulo.
Em relação ao emprego de recursos que promovem a coesão referencial do texto, assinale a única alternativa correta.