No limite da irresponsabilidade
Ao ler na capa chamada sobre a
gripe 4, até os menos paranoicos
devem ter achado que chances de
contrair doença são enormes
[1] A REPORTAGEM e principalmente a chamada de capa sobre
a gripe A (H1IN1) no domingo passado constituem um dos
mais graves erros jornalísticos cometidos por este jornal desde
que assumi o cargo, em abril de 2008.
[5] O título da chamada, na parte superior da página, dizia: "Gripe
suína deve atingir ao menos 35 milhões no país em 2 meses".
A afirmação é taxativa e o número, impressionante.
Nas vésperas, os hospitais estavam sobrecarregados, com
esperas de oito horas para atendimento.
[10] Mesmo os menos paranoicos devem ter achado que suas
chances de contrair a enfermidade são enormes. Quem
estivesse febril e com tosse ao abrir o jornal pode ter
procurado assistência médica.
O texto da chamada dizia que um modelo matemático do
[15] Ministério da Saúde "estima que de 35 milhões a 67 milhões
de brasileiros podem [em vez de devem, como no título] ser
afetados pela gripe suína em oito semanas (...). O número de
hospitalizações iria de 205 mil a 4,4 milhões".
É quase impossível ler isso e não se alarmar. Está mais do que
[20] implícito que o modelo matemático citado decorre de estudos
feitos a partir dos casos já constatados de gripe A (HINI) no
Brasil.
Mas não. Quem foi à página C5 (e não C4 para onde
erradamente a chamada remetia) descobriu que o tal modelo
[25] matemático, publicado em abril de 2006, foi baseado em
dados de pandemias anteriores e visavam formular cenários
para a gripe aviária (H5N1).
Ah, o texto dizia que "por ser um esquema genérico e não um
estudo específico para o atual vírus, são necessários alguns
[30] cuidados ao extrapolá-lo para o presente surto".
Ora, se era preciso cautela, por que o jornal foi tão
imprudente? Ou, como pergunta o leitor Martim Silveira: "já
que não tem base em nada nas circunstâncias atuais, qual a
relevância de publicar algo que evidentemente só pode causar
[35] pânico numa população que já está abarrotando os postos de
saúde por causa da gripe, quando os casos mal passam do
milhar?"
Muitos leitores se manifestaram ao ombudsman. José Rubens
Ehas classificou a chamada de "leviana e Wresponsável". José
[40] Roberto Teixeira Leite disse que "se o objetivo do jornal era
espalhar pânico, conseguiu o intento". Para José Clauver de
Aguiar Júnior, "trata-se claramente de sensacionalismo”.
O pior é que a Redação não admite o erro. Em resposta à
carta do Ministério da Saúde, que tentava restabelecer os
[45] fatos, respondeu com firulas formalistas como se o missivista
e os leitores não soubessem ver o óbvio. Em resposta ao
ombudsman, disse que considera a chamada e a reportagem
"adequadas" e que "informar a genealogia do estudo na
chamada teria sido interessante, mas não era absolutamente
[50] essencial”.
Fonte: Carlos Eduardo Lins da Silva é o ombudsman da Folha desde 24 de abril de 2008. (http://www1 .folha.uol. com.br/fsp/ombudsma/0m2607200901 .htm)
Nas palavras “suína” (l. 6) e “Saúde” (l. 15), o encontro vocálico existente é um