Sobre a Dimensão Socioeconômica e Cultural do Processo Saúde-DoençaMorte e Raça/Etnia
O processo histórico de formação da sociedade capitalista brasileira implicou
o desenvolvimento de uma complexa rede de contradições sociais. Assim,
foram sendo criados e recriados, por meio da industrialização e modernização,
critérios de seleção social, que geraram desigualdades sociais.
[5] A chamada revolução burguesa transformou os grupos populacionais
considerados de categoria inferior: negros, índios e imigrantes – em
trabalhadores, porém não os converteu em cidadãos.
Consequentemente, as desigualdades sociais foram compreendendo e
mesclando diversidades raciais e de classe social, provocando um efeito duplo
[10] de contradições de classe e raça (Ianni, 1991; Coimbra, 1997).
Esses efeitos acumulados decorrentes das desigualdades ficam evidentes
quando se analisa a apropriação econômica, de bens e serviços, e direitos
sociais, políticos e culturais que a população negra detém no Brasil, quando
comparada com a população branca. Essas desvantagens sistemáticas se
[15] expressam na participação desigual no mercado de trabalho, nos níveis de
renda, no acesso ao sistema formal educacional, enfim, nas oportunidades de
mobilidade social.
Sobre como as três subpopulações se distribuem nas diferentes posições
socioeconômicas, segundo sua inserção no processo produtivo, sabe-se que a
[20] questão da mão-de-obra negra vincula-se à problemática do trabalho
marginal, temporário e precário (Chaia, 1986), consequência do processo
histórico brasileiro desde a escravidão até os dias de hoje.
Estudos sobre o tema (Hasenbalg, 1979; Beozzo, 1984; Porcaro et al., 1988;
Chaia, 1988) mostram as dificuldades dos negros em superar o nível de
[25] pobreza por meio do trabalho, apesar de entrarem no mercado muito mais
precocemente que os brancos.
Observa-se também que eles ocupam as posições menos qualificadas e
apresentam pior posição relativa no que diz respeito ao desemprego aberto e
encoberto. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)
[30] 1995, tabulados por Simões & Cardoso (1997), evidenciam que a população
negra com dez anos e mais, independentemente do sexo, alcança taxas de
desocupação mais elevadas comparadas às da população branca, no Brasil e
em todas as grandes regiões. A título de exemplo, podemos citar os achados
para o país: enquanto a estimativa desse indicador para as mulheres brancas
[35] era de 7,45%, as negras assumem 9,11%, sendo que esses valores nos
homens são de 5,35% e 6,10%, respectivamente (Simões & Cardoso, 1997).
(...) Vários estudos constatam que, em igualdade de condições
socioeconômicas, existe um diferencial racial no acesso ao sistema formal de
educação. Como exemplo, citamos as conclusões de Hasenbalg & Silva
[40] (1991), que constatam que a proporção de negros (pardos e pretos) sem
nenhum acesso à escola é três vezes maior que a dos brancos; quando
conseguem ingressar no sistema formal, além de fazê-lo muito mais
tardiamente, obtêm níveis de escolaridade consistentemente inferiores aos
dos brancos da mesma origem social; os retornos da escolaridade adquirida
[45] em termos de inserção ocupacional e renda tendem a ser proporcionalmente
menores para negros que para brancos. Outros estudos assinalam que, em
1995, do total de mulheres classificadas como analfabetas funcionais, ou seja,
com até três anos de instrução, 17% eram brancas e 38% negras. Entre os
homens esses valores eram de 19% e 40%, respectivamente.
[50] Por todo o enunciado até aqui, conclui-se que os negros brasileiros estão
expostos a um ciclo de desvantagens cumulativas na mobilidade social
intergeracional, fato que os coloca em posição de maior vulnerabilidade frente
a uma série de agravos à sua saúde.
Conclui-se também que a população negra brasileira vivencia situações de
[55] exclusão, marginalidade e/ou discriminação socioeconômica, que a expõem
com maior vulnerabilidade a uma série de agravos à saúde. Salienta-se que a
maior suscetibilidade se deve a fatores tanto de ordem biológica, como
socioeconômica e cultural.
CUNHA. E. M. G. de P. Especificidades da Raça/Etnia nas Questões de Saúde. In: O Clássico e o Novo: tendências, objetos e abordagens em ciências sociais e saúde [online]. GOLDENBERG, P., MARSIGLIA, RMG and GOMES, MHA., orgs. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2003.
Analise as assertivas
I. O texto evidencia que a formação da sociedade brasileira (historicamente capitalista), desencadeou um quadro de desigualdades sociais que mesclou diversidades raciais e de classe social, provocando um efeito duplo de contradições de classe e raça.
II. O autor chama negros, índios e imigrantes de subpopulação, destacando que foram elevados, pela revolução burguesa, à categoria de trabalhadores, mas não de cidadãos.
III. O autor afirma que os negros brasileiros possuem uma desvantagem cumulativa na mobilidade social intergeracional, e por isso são mais suscetíveis à problemas de saúde.
Está CORRETO o que se afirma em