Leia um trecho de Conto de escola, de Machado de Assis.
A escola era na rua do Costa, um sobradinho de grade de pau. O ano era de 1840. Naquele dia – uma segundafeira, do mês de maio – deixei-me estar alguns instantes na rua da Princesa a ver onde iria brincar a manhã. Hesitava entre o morro de S. Diogo e o Campo de Sant’Ana, que não era então esse parque atual, construção de gentleman, mas um espaço rústico, mais ou menos infinito, alastrado de lavadeiras, capim e burros soltos. Morro ou campo? Tal era o problema. De repente disse comigo que o melhor era a escola. E guiei para a escola. Aqui vai a razão.
Na semana anterior tinha feito dois suetos*, e, descoberto o caso, recebi o pagamento das mãos de meu pai, que me deu uma sova de vara de marmeleiro. As sovas de meu pai doíam por muito tempo. Era um velho empregado do Arsenal de Guerra, ríspido e intolerante. Sonhava para mim uma grande posição comercial, e tinha ânsia de me ver com os elementos mercantis, ler, escrever e contar, para me meter de caixeiro. Citava-me nomes de capitalistas que tinham começado ao balcão. Ora, foi a lembrança do último castigo que me levou naquela manhã para o colégio. Não era um menino de virtudes. [...]
Subi a escada com cautela, para não ser ouvido do mestre, e cheguei a tempo [...]. Tudo estava em ordem; começaram os trabalhos. [...]
Com franqueza, estava arrependido de ter vindo. Agora que ficava preso, ardia por andar lá fora, e recapitulava o campo e o morro, pensava nos outros meninos vadios, o Chico Telha, o Américo, o Carlos das Escadinhas, a fina flor do bairro e do gênero humano. Para cúmulo do desespero, vi através das vidraças da escola [...] um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda imensa, que bojava no ar, uma coisa soberba.
(Machado de Assis. Contos: uma antologia, 1998.)
*dois suetos: faltar duas vezes às aulas
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