Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca da Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser a contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcaloide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mais triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
-Lá sou amigo do rei –
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
(BANDEIRA – Manuel. Libertinagem, In Poesia Completa e Prosa, Rio, Editora Aguilar, 2ª ed., 1967)
Avalie as seguintes afirmações sobre o texto.
I – Como se sabe, Manuel Bandeira se coloca na primeira fase do Modernismo Brasileiro (Geração de 30). No caso do poema acima, essa filiação é visível, entre outros aspectos, no tom coloquial, ausência de rimas e falta de pontuação.
II- A palavra Pasárgada – nome de uma cidade fundada por Ciro, rei da Persa – significa, segundo o próprio autor, “campo dos persas” ou “tesouro dos persas”. Independentemente dessas explicações, no poema, tal vocábulo cumpre uma espécie de função mágica, com forte conotação de vago edesconhecido, nomeando uma espécie de verdadeiro éden.
III- A busca de um lugar utópico, ideal, livre de qualquer interdição, pode ser entendida como alternativa de escapismo, reveladora de certa identificação do poema com a estética romântica, em que esse desejo de evasão é característica marcante.
IV- O poema de Bandeira revela e ecos da célebre “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias. Nele, os dvérbios lá e aqui (como o lá e o cá do poeta romântico) contrapõem dois espaços: o do mundo presente, mas fonte de infelicidade, e o mundo almejado, onde inexiste tal sentimento.
V- O desejo de evasão manifestado pelo poeta não se resume ao desejo de outro espaço (Pasárgada), mas também ao de retorno no tempo (infância).