Reação consciente*
Alba Zaluar**
A violência contra as mulheres é fenômeno mundial que deixa sérios efeitos, visto que pode levar a traumatismos,
incapacitações e óbitos ou a mudanças fisiológicas e psicológicas induzidas pelo estresse decorrente
do trauma. As mulheres que sofreram abusos têm altas taxas de gravidez não desejada, abortos, desfechos
neonatais e infantis adversos, infecções sexualmente transmissíveis e transtornos mentais.
No Brasil, mudanças no aparato institucional já foram feitas. A legislação foi mudada com a Lei Maria da
Penha e a Lei de Notificação Compulsória. Já contamos com delegacias especiais para atender as mulheres
agredidas. Existem, em número crescente, serviços que dão assistência às que sofrem violências.
Em todo o país, houve reação imediata de mulheres aos resultados da pesquisa do Ipea que revelou que
um quarto da população acha que a mulher que exibe seu corpo merece ser atacada. Afirmaram, publicamente,
que seu modo de vestir é uma escolha livre e não a justificativa para o estupro, o que demonstra o quanto
estão mais conscientes e organizadas. De fato, há também associações mais ou menos informais de proteção
interna ao gênero funcionando há tempos, embora timidamente.
Mas a aplicação de leis e políticas para mulheres em todo o país é irregular e, principalmente, persistem
tem preconceitos e covardias. Falta assegurar que a intolerância à violência contra as mulheres, duplamente
covarde, chegue a todos os rincões e, sobretudo, aos corações e mentes de homens jovens, instilando-lhes a
vergonha de agir violentamente contra as mulheres.
Os programas de prevenção primária que levem em conta a desigualdade de gênero ainda são poucos.
Como afirmou Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU: “Peço aos governos que aproveitem as ideias e a liderança
dos jovens para nos ajudarem a pôr fim a essa violência pandêmica. Só então teremos um mundo mais
justo, pacífico e equitativo”.
E já sabemos onde e com quem intensificar tais ações: nas zonas onde há mais coesão social por causa
da homogeneidade étnica, religiosa e social, onde a moradia é de longa data e os vizinhos desenvolveram
relações de confiança e ajuda mútua, onde há mais associações. Essas zonas apresentam taxas de criminalidade
mais baixas, escolas mais eficazes bem como adultos mais responsáveis que socializam os mais jovens
segundo valores e regras de convivência claros, aprovados socialmente pelos locais, aí incluídos a proteção
dos mais frágeis: mulheres, crianças e idosos. [...]
Esse tipo de pesquisa que afirma algo e pede sua confirmação tem um viés. Suscita o espelhamento
mais do que o julgamento dos entrevistados. Estes manifestam a tendência em concordar com o que diz o
pesquisador. Os números estão provavelmente exagerados.
*Texto publicado na Folha de São Paulo, em 05 abr. 2014. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/04/
1436191-a-sociedade-tolera-agressao-sexual-as-mulheres-nao.shtml. Acesso em 07 abr. 2014. Adaptação.
**Professora titular de antropologia no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Em relação ao conteúdo do texto, assinale a única alternativa correta.