Médicos
Ortopedistas costumam usar de pouco rodeio em
seus atendimentos. Quebrou o pé, bota o osso no lugar,
imobiliza, toma um Lisador de tantas em tantas horas,
tchau, de nada. O doutor Nascimento era desses durões,
[5] mas penso eu que escondia flores, fotografias de família
e mensagens de prosperidade nos bolsos.
Eu era menino e cheguei às mãos dele totalmente
avariado. As pernas pareciam ganchos devido às atrofias,
a coluna simulava o “s” do Senna e o meu destino como
[10] “serumano” era uma incógnita.
Lentamente, o médico consertou meu esqueleto,
dando sustância a minha alma e me aprumando para a
vida, nutrindo em mim a coragem de tentar ficar em pé
ou de me realizar em outra perspectiva, sentado.
[15] “O que importa, de fato, é a maneira como ele vai
poder construir a felicidade. Ele jamais vai conseguir
andar por conta própria, mas isso não vai impedi-lo de
ser quem ele quiser”, disse ele a minha mãe em minha
última consulta.
[20] Por mais que não queiram, médicos trazem
consigo, apenas com a sua presença e suas palavras,
um possível alívio para a sensação de desespero, um
alento para tempos difíceis, uma chance de acalmar a
rebeldia dos males que parecem querer afogar as
[25] esperanças.
Bebês que nascem com deformidades, pai e mãe
já imaginam os perrengues a enfrentar, o choro a ser
chorado. Mas é o médico o cabra capaz de ajudar a
acender uma lamparina que fará serem enxergados
[30] novos caminhos nas diferenças.
Quem descobre um câncer, uma doença
avassaladora ou uma moléstia incurável, só com
pouquíssima informação irá buscar o milagre ou o
elixir da cura imediata. Mas vai desejar ouvir histórias
[35] bem-sucedidas de conviver com as perdas e saber que
poderá mergulhar em piscina de bolinhas de plástico, ir
a mais alguns shows do rei ou reler deitado na rede as
poesias de Cecília Meireles.
A palavra da moda em Medicina atual, em hospitais
[40] de ponta, é “humanização”, cujo conceito é mais ou
menos o ambiente e o próprio “seu dotô” servindo e
amparando o paciente além do alcance científico e
técnico, mas também com algum cuidado emocional e
com a atenção de um abraço, de olhos nos olhos.
[45] Do lado de cá do bisturi e do estetoscópio, acho o
movimento importante, embora avalie que seja árdua a
tarefa de ensinar ao ser humano algo que se deveria ter
começado a incentivar desde o berço.
Como escutei pela TV de uma médica do Einstein,
[50] Juliana Fernandes, que se dedica a auxiliar crianças
debilitadas por doenças agressivas, em cada um
dos pequenos “há uma parte” dela mesma sendo
depositada. Que seja sempre a melhor parte.
MARQUES, Jairo. Médicos. Conselho Nacional de Medicina do Estado do Paraná. In: Folha de S. Paulo. Disponível em: . Acesso em: 25 nov. 2014. Adaptado.
A expressão “Do lado de cá” (l. 45) sugere que