Texto 1
Camões, grande Camões , quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co’o sacrílego gigante;
Como tu, junto ao Ganges sussurrante
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.
Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.
Modelo meu tu és...Mas, oh tristeza!...
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.
(BOCAGE, M.M. Barbosa du. In Bocage – Literatura Comentada. São Paulo: Abril Educação, 1980.Pág. 31/32.)
Texto 2
a Bocage
Tu, que no pego impuro das orgias
Mergulhavas ansioso e descontente,
E, quando à tona vinhas de repente,
Cheias as mãos de pérolas trazias;
Tu, que do amor e pelo amor vivias,
E que, como de límpida nascente,
Dos lábios e dos olhos a torrente
Dos versos e das lágrimas vertias;
Mestre querido! Viverás, enquanto
Houver quem pulse o mágico instrumento,
E preze a língua que prezavas tanto:
E enquanto houver num ponto do universo
Quem ame e sofra, e amor e sofrimento
Saiba, chorando, traduzir no verso.
(BILAC. Olavo. Poesias. São Paulo. Editora Martin Claret, 2006. Pág. 49/50)
Avalie as afirmações sobre os textos em questão.
I - Tanto Bocage (texto 1) quanto Bilac (texto 2) utilizam ,em seus sonetos, o recurso da metalinguagem, caracterizando o que se chama de metapoesia.
II - “Acho teu fado ao meu, quando os comparo” / “Defrontar-se co’o sacrílego gigante”/ “Também lamentando estou, saudoso amante”/ “Meu fim dirijo ao céu, pela certeza”. As substituições promovidas nesses versos do texto 1 preservaram , sem exceção, o sentido dos vocábulos usados originalmente.
III – No texto 1, Bocage torna explícitas as semelhanças no destino e na sorte entre ele e Camões, declara este seu modelo e deplora não imitá-lo nas qualidades artísticas como o imita nas aflições da sorte, ou destino.
IV) No texto 2, Olavo Bilac reconhece a vida libertina de Bocage, ao mesmo tempo em que, enaltecendo-o, afirma que, como ninguém, o poeta português soube traduzir em poesia o amor e o sofrimento que encheram sua própria existência.
V) Em ambos os textos, de maneira mais explícita por parte de Bocage, seus autores se reconhecem pequenos diante dos mestres com quem dialogam (ou evocam).