[1] Oi, mãe, já terminando de almoçar?
Oh, meu filho, me dê um abraço. Ah, que bom...
Quando foi que você chegou?
Estou chegando agora, mãe.
[5] Como foi de viagem?
Eu não estava viajando, mãe.
Você precisa tomar cuidado com essas viagens,
as estradas estão muito perigosas.
Mas eu já disse, mãe, não estava viajando. Eu
[10] não viajo quase nunca. Faz anos que não viajo para
lugar nenhum.
Agora, deixe a moça tirar o prato, os talheres,
logo vem um pratinho para a senhora comer a
sobremesa.
[15] E o queijo?
Aqui também, não ia me esquecer de que a
senhora gosta de comer doce com queijo.
Sempre gostei, desde menina. Quer saber uma
coisa engraçada, meu filho?
[20] Quero, mãe.
Hoje eu só me lembro bem de coisas daquele
tempo velho. De outras, eu esqueço. Depois dos
doces, um cafezinho, não é?
Claro. Aliás, trouxe também café, já o entreguei
[25] a D. Delza.
Café é bom, meu pai dizia. Café e outra coisa...
O que era mesmo?
Eu sei que outra coisa era, quer que eu diga?
Não.
[30] Então não digo.
Já sei: azeite doce.
Isso mesmo. Sim, são coisas boas.
Você também gosta?
Aprendi a gostar com a senhora.
[35] Quando meu pai morreu, eu era muito pequena.
Eu sei. Tinha seis anos.
Você tinha seis anos?
Não: a senhora.
Você se lembra?
[40] Lembro a senhora dizendo isso.
Minha mãe também morreu.
Eu sei.
Quem lhe contou?
Mãe, minha avó morreu há mais de vinte anos.
[45] Sua avó?
Minha avó, sim, sua mãe.
É verdade. Sua avó. Mas você está enganado, meu
filho, ela morreu agora.
Agora?
[50] Nestes dias.
Mãe...
ESPINHEIRA FILHO, Rui. Visita. O Sonho dos Anjos (contos reunidos e inéditos). Salvador-Ba: Caramurê Publicações. 2014. p. 57-59. Adaptado.
Mesmo sem a presença do sujeito narrador, a coerência e a linearidade narrativa se desenvolvem por meio