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Querem assassinar o gênero
O ato violento de exclusão da palavra “gênero” do vocabulário legislativo não será suficiente para impedir novos enfrentamentos às opressões
por Maíra Kubík Mano — publicado 25/02/2016 02h35
Na semana passada, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou um destaque, proposto por um dos partidos políticos brasileiros, à Medida Provisória 696/15, para retirar “a perspectiva de gênero” do novo ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. Assim, graças aos nobres congressistas, podemos ter um ministério das Mulheres que, ao menos formalmente, não reconhecerá as desigualdades entre homens e mulheres.
Agora eu pergunto: como explicar a dupla jornada de trabalho a que estamos submetidas – dentro e fora de casa – sem entender que existe uma diferenciação hierárquica, construída socialmente, que divide responsabilidades e coloca as mulheres como principais encarregadas de lavar a louça, limpar a casa e cuidar de crianças e idosos etc.?
Para traçar um paralelo, é como se “raça/etnia” e “geração” não fossem variáveis legítimas para analisar nossas relações sociais. Pergunto novamente: como refletir sobre os absurdos índices de assassinatos no Brasil sem enxergar que atingem uma maioria de pessoas jovem, negras e que vem de bairros periféricos?
É simplesmente impossível. É escamotear a realidade.
Afinal, por que querem banir do marco legal uma categoria de análise? Qual é o problema com "gênero"? Bom, ao dizermos que há uma relação de gênero, percebemos, com certa facilidade, que existe um posicionamento privilegiado nessa relação, o do homem, branco, heterossexual, cisgênero, que é o sujeito hegemônico em nossa sociedade. Isso mexe com nossa objetividade e nossas subjetividades, contribuindo para desnaturalizar as opressões.
E os “de cima”, como diria Florestan Fernandes, obviamente não querem mudar sua confortável posição. Pensam então ser preciso impedir o “gênero” de existir. Querem assassiná-lo e toda a pluralidade que vem com a possibilidade de reflexão.
Mas isso, nobres congressistas, é apenas tapar o sol com peneira. O ato violento de exclusão da palavra “gênero” do vocabulário legislativo, perpetrado consecutivamente nos últimos anos, não será suficiente para impedir novas existências, problematizações, rompimentos e enfrentamentos às opressões. As possibilidades se espalham mais rápido que do que vocês conseguem reagir. Assim nos mostraram os feminismos do passado.
Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/querem-assassinar-o-genero. Adaptado.
Observe: “O ato violento de exclusão da palavra “gênero” do vocabulário legislativo não será suficiente para impedir novos enfrentamentos às opressões.” Em qual das alternativas abaixo o termo grifado não deve receber o acento indicativo da crase?