TEXTO II
Uma mesa cheia de feijões.
O gesto de os juntar num montão único. E o gesto de
os separar, um por um, do dito montão.
O primeiro gesto é bem mais simples e pede menos
[5] tempo que o segundo.
Se em vez da mesa fosse um território, em lugar de
feijões estariam pessoas. Juntar todas as pessoas
num montão único é trabalho menos complicado do
que o de personalizar cada uma delas.
[10] O primeiro gesto, o de reunir, aunar, tornar uno todas
as pessoas de um mesmo território, é o processo da
CIVILIZAÇÃO.
O segundo gesto, o de personalizar cada ser que
pertence a uma civilização, é o processo da CULTURA.
[15] É mais difícil a passagem da civilização para a cultura
do que a formação de civilização.
A civilização é um fenômeno colectivo.
A cultura é um fenômeno individual.
Não há cultura sem civilização, nem civilização que
[20] perdure sem cultura.
Almada Negreiros
Vocabulário
aunar - juntar em um todo; unir
TEXTO III
Pasolini foi o mais aguerrido defensor da diferença,
ao detectar uma verdadeira mutação antropológica do
mundo moderno: a condição humana e a condição
burguesa passavam tristemente a coincidir. Tratava-se de
um poder invisível, diluído e onipresente. Tudo se tornava
igual a tudo em todo lugar. Era a melancolia da
semelhança, inspirando boa parte de seus desesperados
Escritos corsários. Era o fascismo de consumo que
devastava a singularidade das culturas. Era o fim dos
substratos sagrados, como vemos acontecer em Medéia.
O sujeito dava espaço ao consumidor. O corpo passava à
condição de mercadoria. Uma erotomania generalizada a
braços dados com o bom-mocismo desenxabido do
politicamente correto. Toda razão para Garaudy: o Ocidente
é um acidente. Um acidente que se imagina universal.
Tanto assim que, de Roma a Nova York, de Buenos Aires
a Paris, Pasolini deparava-se com jovens cada vez mais
parecidos entre si, a um só tempo infelizes e orgulhosos,
mesquinhos e arrivistas. Em Isfahan, por exemplo, muitos
começavam a usar um corte de cabelo à europeia. Para
dizer que não eram iguais aos bárbaros, aos mortos de
fome dos arredores: “somos burgueses, eis aqui nossos
cabelos compridos, que provam nossa modernidade
internacional de privilegiados.” Recusavam a própria
cultura para ingressar acéfalos no submundo da
modernidade. Quem poderá pressentir a profundidade do
abismo que os ameaça ou a tristeza que os cerca? Quem
os poderá salvar de si mesmos?
Marco Lucchesi
Vocabulário
Medeia - personagem da mitologia grega
erotomania - exageração, às vezes mórbida, dos sentimentos
amorosos e do fascínio por contatos sexuais; mania de sexo
Garaudy - Roger Garaudy, pensador francês
Isfahan - cidade no Irã
TEXTO IV
O dia em que nós formos inteiramente brasileiros e
só brasileiros a humanidade estará rica de mais uma
raça, rica de uma nova combinação de qualidades
humanas. As raças humanas são acordes musicais
(...) Quando realizarmos o nosso acorde, então
seremos usados na harmonia da civilização.
Mário de Andrade
Assinale a alternativa que correlaciona, quanto ao sentido do termo “civilização”, o fragmento de Mário de Andrade (Texto IV) com o fragmento de Almada Negreiros (Texto II).