Tsunami da violência
[1] O mundo ficou chocado quando um tsunami matou mais de 100 000 pessoas na Indonésia, em 2004,
mas o verdadeiro espanto é constatar que essa é a quantidade de gente que morre no Brasil, vítima de
homicídio e acidente de trânsito, por ano. Mais gente do que na guerra civil da Síria!
Como agravante, o índice de óbitos vem recrudescendo nos últimos anos. A prévia do Mapa da
[5] Violência 2014, divulgada na semana passada, com base nos dados do Sistema de Informações sobre
Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde referentes a 2012, mostra que ocorreram quase 60 000
assassinatos no Brasil apenas naquele ano. Isso representa um aumento significativo em uma década.
Os dados constituem um enorme desafio aos defensores de que a pobreza é a causa primordial do
crime. Para começo de conversa, foi no Nordeste que se verificou o maior crescimento da taxa de
[10] homicídios, justo na região que experimentou um dos maiores aumentos de riqueza, favorecida por
agressivos programas assistencialistas do governo, que até celebrou o advento da “nova classe média”. [...]
Há [...] a complicada questão das mortes em acidentes de trânsito, que cresceram mesmo com a
adoção da radical Lei Seca. A taxa de óbitos por 100 000 habitantes se expandiu quase 20% apenas nos
últimos três anos da pesquisa. Teria alguma relação com a péssima qualidade de nossas estradas e com a
[15] falta de policiamento?
O brasileiro é tido como um “povo cordial”, mas as estatísticas mostram algo bem diferente. Somos
um dos povos mais violentos do mundo. Em uma década, o país perde, em homicídios e acidentes de
trânsito, mais do que as bombas atômicas exterminaram em Hiroshima e Nagasaki. Viver no Brasil é muito
perigoso, especialmente para os mais jovens. O que se passa?
[20] Como economista, prefiro enxergar a coisa pela ótica institucional, levando em conta o mecanismo
de incentivos em jogo. Gary Becker, que faleceu recentemente, da Universidade de Chicago e laureado com
o Prêmio Nobel de Economia, diria que a impunidade é o maior convite ao crime, pois os criminosos
também comparam custos com benefícios. A certeza da punição ainda é o maior obstáculo ao crime.
Mas, no Brasil, preferimos ignorar as causas estruturais e focar os sintomas. Gostamos de quebrar o
[25] termômetro para curar a febre. Adoramos criar leis, como se bastassem decretos estatais para solucionar os
males que nos assolam.
Investir em infraestrutura e fiscalização dá muito trabalho. O governo precisa gastar menos e poupar
mais, delegar mais à iniciativa privada e perder oportunidades de corrupção, cortar programas eleitorais que
rendem votos, incomodar grupos de interesse. É muito mais fácil deixar as estradas abandonadas, caindo aos
[30] pedaços, e simplesmente baixar uma lei proibindo qualquer consumo de álcool por motoristas, como se a
culpa de tantos acidentes fosse do sujeito que toma uma taça de vinho e pega no volante.
Aparelhar e treinar a polícia e as Forças Armadas, fiscalizar bem as fronteiras, investir em novos
presídios e pagar salários decentes aos combatentes do crime demandam muito sacrifício. [...]
Enfim, precisamos levar as coisas mais a sério, olhar para onde escorregamos, não para onde caímos.
[35] Vivemos um tsunami da violência, que varre milhares de vidas inocentes a cada ano. É hora de atacar as
raízes do problema, suas causas estruturais, em vez de acreditar em milagres que brotariam de decretos
estatais.
(Rodrigo Constantino, revista Veja, 4 de junho, 2014. Adaptado.)
Entre as alternativas a seguir, indique a única que NÃO responde à pergunta do locutor do texto: “O que se passa?” (linha 19).