A questão focalizam a comédia O juiz de paz da roça do escritor Martins Pena (1815-1848).
JUIZ: Vamos às outras partes.
ESCRIVÃO (lendo): Diz João de Sampaio que, sendo ele “senhor absoluto de um leitão que teve a porca mais velha da casa, aconteceu que o dito acima referido leitão furasse a cerca do Sr. Tomás pela parte de trás, e com a sem-cerimônia que tem todo o porco, fossasse1 a horta do mesmo senhor. Vou a respeito de dizer, Sr. Juiz, que o leitão, carece agora advertir, não tem culpa, porque nunca vi um porco pensar como um cão, que é outra qualidade de alimária2 e que pensa às vezes como um homem. Para V. Sa. não pensar que minto, lhe conto uma história: a minha cadela Troia, aquela mesma que escapou de morder a V. Sa. naquela noite, depois que lhe dei uma tunda3 nunca mais comeu na cuia com os pequenos. Mas vou a respeito de dizer que o Sr. Tomás não tem razão em querer ficar com o leitão só porque comeu três ou quatro cabeças de nabo. Assim, peço a V. Sa. que mande entregar-me o leitão. E.R.M.”
JUIZ: É verdade, Sr. Tomás, o que o Sr. Sampaio diz?
TOMÁS: É verdade que o leitão era dele, porém agora é meu.
SAMPAIO: Mas se era meu, e o senhor nem mo comprou, nem eu lho dei, como pode ser seu?
TOMÁS: É meu, tenho dito.
SAMPAIO: Pois não é, não senhor. (agarram ambos no leitão e puxam, cada um para sua banda)
JUIZ (levantando-se): Larguem o pobre animal, não o matem!
(Comédias (1833-1844), 2007.)
1 fossar: revolver ou escavar com o focinho.
2 alimária: qualquer animal, especialmente quadrúpede.
3 tunda: surra.
Na passagem, João de Sampaio