UPF 2012 Inverno
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Dona Gildair
Roberto Pompeu de Toledo
André Alves Lezo, 21 anos, morto num confronto entre torcidas de futebol no domingo 25, em São Paulo, foi velado e
enterrado, no dia seguinte, vestindo um terno. O traje, imposto pela mãe, Gildair Alves, dizia muita coisa. Dona Gildair investiase,
na ocasião, de um dos mais típicos e sagrados papéis de mãe — o que combina o sofrimento com uma santa fúria. O terno
com que ela vestiu o cadáver do filho era um grito de protesto e um resgate de identidade.
André integrava a maior das torcidas uniformizadas do Palmeiras, a Mancha Alviverde. Vinham, ele e um grupo de
companheiros, por uma avenida da Zona Norte de São Paulo quando foram interceptados por um grupo de corintianos,
apontados como integrantes da torcida Gaviões da Fiel. Horas depois, ocorreria naquele dia jogo entre Palmeiras e Corinthians.
Seguiu-se um conflito entre trezentos torcedores, na maioria armados com paus, pedras e barras de ferro, mas alguns também
com armas de fogo. André, atingido por um tiro na cabeça, morreu na noite daquele mesmo dia; outro torcedor do Palmeiras,
Guilherme Vinicius Jovanelli Moreira, atingido por uma barra de ferro na cabeça, morreu dois dias depois.
Entre os presentes ao velório e ao enterro de André, na grande maioria integrantes da Mancha Alviverde, muitos
vestiam a camisa do Palmeiras ou da torcida. Se fosse possível computar todos os trajes que André usou em sua curta vida, é
provável que a camisa do Palmeiras se revelasse o mais frequente. Não naquele momento. Por imposição de dona Gildair,
André não era mais um “palmeirense”, a qualidade com que mais vezes foi identificado na imprensa, e talvez também a
qualidade com que mais vezes terá sido descrito pelos familiares, pelos vizinhos, pelos colegas de escola. Dona Gildair também
proibiu bandeiras sobre o caixão. André, de terno, voltava a ser André, o seu menino.
Torcida organizada é uma praga que assola não só o futebol, isso se sabe não é de hoje. Na semana anterior, um
conflito em Campinas entre torcedores do Guarani e da Ponte Preta também resultara em um morto. O confronto do domingo
entre corintianos e palmeirenses é tido pela polícia como vingança de corintianos pela morte de um deles, no ano passado. De
vendeta em vendeta, segue a vida e segue a morte. Nas transmissões de TV, quando nos estádios eclode a colossal cantoria,
ritmada por corpos que se movimentam, as câmeras se fecham nas torcidas, os microfones se abrem, e os locutores se
empolgam – “Ouçam o canto da torcida!”, “Observem a coreografia”. Másculas coreografias e gritos em uníssono merecem ser
encarados com mais cautela. Desde as formações fascistas dos anos 1930/1940 até as da comunista Coreia do Norte de hoje,
o objetivo é conclamar à guerra.
Nas notas oficiais que divulgaram em sua defesa, a Mancha Alviverde e a Gaviões da Fiel coincidiram num ponto – as
duas culparam a polícia. Ela deveria saber que o local em que se deu o conflito do domingo — a Avenida Inajar de Souza — faz
parte do trajeto tanto de palmeirenses como de corintianos em demanda do Estádio do Pacaembu. Sendo assim, deveria
providenciar maior vigilância na área, ou impor itinerários diferentes para cada torcida. Os comunicados dão por suposto que
torcidas rivais não podem se encontrar em paz.
Dona Gildair vivia tal realidade de intolerância dentro de casa. Seus outros dois filhos também pertencem à Mancha
Alviverde. O mais velho, Lucas, não é pouca coisa na entidade – ocupa o cargo de vice-presidente. Num Corinthians x
Palmeiras do ano passado, Lucas levou um tiro na perna. Não contente, envolveu-se em outra briga, neste ano, e está proibido
de frequentar estádios. O próprio André já se envolvera em tumultos anteriormente, e fora detido duas vezes. O terceiro filho,
Tiago, gêmeo de André, foi detido por porte de arma logo depois do tumulto que vitimou o irmão.
Dona Gildair é evangélica. O marido é policial militar. Tudo muito brasileiro, muito classe C. Os dois filhos gêmeos
estudavam engenharia civil numa universidade particular (no caso do sobrevivente, talvez continue a estudar) – o que indica
perspectiva de ascensão social. Cada lado da família se ampara numa organização, a mãe numa igreja, os filhos numa torcida
– o que não impede que o perigo ronde permanentemente por perto. A pedido dos filhos, dona Gildair vez por outra ia à sede da
Mancha Alviverde, ajudar em trabalhos sociais. Mãe é mãe. No mais fatídico dia de sua vida, no entanto, mater dolorosa e mãe
coragem amalgamadas sob o mesmo vestido de evangélica, comprido até o tornozelo, disse chega. E mandou pôr um terno no
filho.
Artigo publicado na edição de VEJA de 4 de abril de 2012.
O texto explora elementos concretos para abordar a sua temática central. Assinale a alternativa cujos elementos não condizem com a figurativização revelada no interior do texto:
Dona Gildair
Roberto Pompeu de Toledo
André Alves Lezo, 21 anos, morto num confronto entre torcidas de futebol no domingo 25, em São Paulo, foi velado e
enterrado, no dia seguinte, vestindo um terno. O traje, imposto pela mãe, Gildair Alves, dizia muita coisa. Dona Gildair investiase,
na ocasião, de um dos mais típicos e sagrados papéis de mãe — o que combina o sofrimento com uma santa fúria. O terno
com que ela vestiu o cadáver do filho era um grito de protesto e um resgate de identidade.
André integrava a maior das torcidas uniformizadas do Palmeiras, a Mancha Alviverde. Vinham, ele e um grupo de
companheiros, por uma avenida da Zona Norte de São Paulo quando foram interceptados por um grupo de corintianos,
apontados como integrantes da torcida Gaviões da Fiel. Horas depois, ocorreria naquele dia jogo entre Palmeiras e Corinthians.
Seguiu-se um conflito entre trezentos torcedores, na maioria armados com paus, pedras e barras de ferro, mas alguns também
com armas de fogo. André, atingido por um tiro na cabeça, morreu na noite daquele mesmo dia; outro torcedor do Palmeiras,
Guilherme Vinicius Jovanelli Moreira, atingido por uma barra de ferro na cabeça, morreu dois dias depois.
Entre os presentes ao velório e ao enterro de André, na grande maioria integrantes da Mancha Alviverde, muitos
vestiam a camisa do Palmeiras ou da torcida. Se fosse possível computar todos os trajes que André usou em sua curta vida, é
provável que a camisa do Palmeiras se revelasse o mais frequente. Não naquele momento. Por imposição de dona Gildair,
André não era mais um “palmeirense”, a qualidade com que mais vezes foi identificado na imprensa, e talvez também a
qualidade com que mais vezes terá sido descrito pelos familiares, pelos vizinhos, pelos colegas de escola. Dona Gildair também
proibiu bandeiras sobre o caixão. André, de terno, voltava a ser André, o seu menino.
Torcida organizada é uma praga que assola não só o futebol, isso se sabe não é de hoje. Na semana anterior, um
conflito em Campinas entre torcedores do Guarani e da Ponte Preta também resultara em um morto. O confronto do domingo
entre corintianos e palmeirenses é tido pela polícia como vingança de corintianos pela morte de um deles, no ano passado. De
vendeta em vendeta, segue a vida e segue a morte. Nas transmissões de TV, quando nos estádios eclode a colossal cantoria,
ritmada por corpos que se movimentam, as câmeras se fecham nas torcidas, os microfones se abrem, e os locutores se
empolgam – “Ouçam o canto da torcida!”, “Observem a coreografia”. Másculas coreografias e gritos em uníssono merecem ser
encarados com mais cautela. Desde as formações fascistas dos anos 1930/1940 até as da comunista Coreia do Norte de hoje,
o objetivo é conclamar à guerra.
Nas notas oficiais que divulgaram em sua defesa, a Mancha Alviverde e a Gaviões da Fiel coincidiram num ponto – as
duas culparam a polícia. Ela deveria saber que o local em que se deu o conflito do domingo — a Avenida Inajar de Souza — faz
parte do trajeto tanto de palmeirenses como de corintianos em demanda do Estádio do Pacaembu. Sendo assim, deveria
providenciar maior vigilância na área, ou impor itinerários diferentes para cada torcida. Os comunicados dão por suposto que
torcidas rivais não podem se encontrar em paz.
Dona Gildair vivia tal realidade de intolerância dentro de casa. Seus outros dois filhos também pertencem à Mancha
Alviverde. O mais velho, Lucas, não é pouca coisa na entidade – ocupa o cargo de vice-presidente. Num Corinthians x
Palmeiras do ano passado, Lucas levou um tiro na perna. Não contente, envolveu-se em outra briga, neste ano, e está proibido
de frequentar estádios. O próprio André já se envolvera em tumultos anteriormente, e fora detido duas vezes. O terceiro filho,
Tiago, gêmeo de André, foi detido por porte de arma logo depois do tumulto que vitimou o irmão.
Dona Gildair é evangélica. O marido é policial militar. Tudo muito brasileiro, muito classe C. Os dois filhos gêmeos
estudavam engenharia civil numa universidade particular (no caso do sobrevivente, talvez continue a estudar) – o que indica
perspectiva de ascensão social. Cada lado da família se ampara numa organização, a mãe numa igreja, os filhos numa torcida
– o que não impede que o perigo ronde permanentemente por perto. A pedido dos filhos, dona Gildair vez por outra ia à sede da
Mancha Alviverde, ajudar em trabalhos sociais. Mãe é mãe. No mais fatídico dia de sua vida, no entanto, mater dolorosa e mãe
coragem amalgamadas sob o mesmo vestido de evangélica, comprido até o tornozelo, disse chega. E mandou pôr um terno no
filho.
Artigo publicado na edição de VEJA de 4 de abril de 2012.
Em relação à responsabilidade pelos conflitos entre torcidas, o autor defende que
Dona Gildair
Roberto Pompeu de Toledo
André Alves Lezo, 21 anos, morto num confronto entre torcidas de futebol no domingo 25, em São Paulo, foi velado e
enterrado, no dia seguinte, vestindo um terno. O traje, imposto pela mãe, Gildair Alves, dizia muita coisa. Dona Gildair investiase,
na ocasião, de um dos mais típicos e sagrados papéis de mãe — o que combina o sofrimento com uma santa fúria. O terno
com que ela vestiu o cadáver do filho era um grito de protesto e um resgate de identidade.
André integrava a maior das torcidas uniformizadas do Palmeiras, a Mancha Alviverde. Vinham, ele e um grupo de
companheiros, por uma avenida da Zona Norte de São Paulo quando foram interceptados por um grupo de corintianos,
apontados como integrantes da torcida Gaviões da Fiel. Horas depois, ocorreria naquele dia jogo entre Palmeiras e Corinthians.
Seguiu-se um conflito entre trezentos torcedores, na maioria armados com paus, pedras e barras de ferro, mas alguns também
com armas de fogo. André, atingido por um tiro na cabeça, morreu na noite daquele mesmo dia; outro torcedor do Palmeiras,
Guilherme Vinicius Jovanelli Moreira, atingido por uma barra de ferro na cabeça, morreu dois dias depois.
Entre os presentes ao velório e ao enterro de André, na grande maioria integrantes da Mancha Alviverde, muitos
vestiam a camisa do Palmeiras ou da torcida. Se fosse possível computar todos os trajes que André usou em sua curta vida, é
provável que a camisa do Palmeiras se revelasse o mais frequente. Não naquele momento. Por imposição de dona Gildair,
André não era mais um “palmeirense”, a qualidade com que mais vezes foi identificado na imprensa, e talvez também a
qualidade com que mais vezes terá sido descrito pelos familiares, pelos vizinhos, pelos colegas de escola. Dona Gildair também
proibiu bandeiras sobre o caixão. André, de terno, voltava a ser André, o seu menino.
Torcida organizada é uma praga que assola não só o futebol, isso se sabe não é de hoje. Na semana anterior, um
conflito em Campinas entre torcedores do Guarani e da Ponte Preta também resultara em um morto. O confronto do domingo
entre corintianos e palmeirenses é tido pela polícia como vingança de corintianos pela morte de um deles, no ano passado. De
vendeta em vendeta, segue a vida e segue a morte. Nas transmissões de TV, quando nos estádios eclode a colossal cantoria,
ritmada por corpos que se movimentam, as câmeras se fecham nas torcidas, os microfones se abrem, e os locutores se
empolgam – “Ouçam o canto da torcida!”, “Observem a coreografia”. Másculas coreografias e gritos em uníssono merecem ser
encarados com mais cautela. Desde as formações fascistas dos anos 1930/1940 até as da comunista Coreia do Norte de hoje,
o objetivo é conclamar à guerra.
Nas notas oficiais que divulgaram em sua defesa, a Mancha Alviverde e a Gaviões da Fiel coincidiram num ponto – as
duas culparam a polícia. Ela deveria saber que o local em que se deu o conflito do domingo — a Avenida Inajar de Souza — faz
parte do trajeto tanto de palmeirenses como de corintianos em demanda do Estádio do Pacaembu. Sendo assim, deveria
providenciar maior vigilância na área, ou impor itinerários diferentes para cada torcida. Os comunicados dão por suposto que
torcidas rivais não podem se encontrar em paz.
Dona Gildair vivia tal realidade de intolerância dentro de casa. Seus outros dois filhos também pertencem à Mancha
Alviverde. O mais velho, Lucas, não é pouca coisa na entidade – ocupa o cargo de vice-presidente. Num Corinthians x
Palmeiras do ano passado, Lucas levou um tiro na perna. Não contente, envolveu-se em outra briga, neste ano, e está proibido
de frequentar estádios. O próprio André já se envolvera em tumultos anteriormente, e fora detido duas vezes. O terceiro filho,
Tiago, gêmeo de André, foi detido por porte de arma logo depois do tumulto que vitimou o irmão.
Dona Gildair é evangélica. O marido é policial militar. Tudo muito brasileiro, muito classe C. Os dois filhos gêmeos
estudavam engenharia civil numa universidade particular (no caso do sobrevivente, talvez continue a estudar) – o que indica
perspectiva de ascensão social. Cada lado da família se ampara numa organização, a mãe numa igreja, os filhos numa torcida
– o que não impede que o perigo ronde permanentemente por perto. A pedido dos filhos, dona Gildair vez por outra ia à sede da
Mancha Alviverde, ajudar em trabalhos sociais. Mãe é mãe. No mais fatídico dia de sua vida, no entanto, mater dolorosa e mãe
coragem amalgamadas sob o mesmo vestido de evangélica, comprido até o tornozelo, disse chega. E mandou pôr um terno no
filho.
Artigo publicado na edição de VEJA de 4 de abril de 2012.
Em relação ao texto, só é correto afirmar:
Dona Gildair
Roberto Pompeu de Toledo
André Alves Lezo, 21 anos, morto num confronto entre torcidas de futebol no domingo 25, em São Paulo, foi velado e
enterrado, no dia seguinte, vestindo um terno. O traje, imposto pela mãe, Gildair Alves, dizia muita coisa. Dona Gildair investiase,
na ocasião, de um dos mais típicos e sagrados papéis de mãe — o que combina o sofrimento com uma santa fúria. O terno
com que ela vestiu o cadáver do filho era um grito de protesto e um resgate de identidade.
André integrava a maior das torcidas uniformizadas do Palmeiras, a Mancha Alviverde. Vinham, ele e um grupo de
companheiros, por uma avenida da Zona Norte de São Paulo quando foram interceptados por um grupo de corintianos,
apontados como integrantes da torcida Gaviões da Fiel. Horas depois, ocorreria naquele dia jogo entre Palmeiras e Corinthians.
Seguiu-se um conflito entre trezentos torcedores, na maioria armados com paus, pedras e barras de ferro, mas alguns também
com armas de fogo. André, atingido por um tiro na cabeça, morreu na noite daquele mesmo dia; outro torcedor do Palmeiras,
Guilherme Vinicius Jovanelli Moreira, atingido por uma barra de ferro na cabeça, morreu dois dias depois.
Entre os presentes ao velório e ao enterro de André, na grande maioria integrantes da Mancha Alviverde, muitos
vestiam a camisa do Palmeiras ou da torcida. Se fosse possível computar todos os trajes que André usou em sua curta vida, é
provável que a camisa do Palmeiras se revelasse o mais frequente. Não naquele momento. Por imposição de dona Gildair,
André não era mais um “palmeirense”, a qualidade com que mais vezes foi identificado na imprensa, e talvez também a
qualidade com que mais vezes terá sido descrito pelos familiares, pelos vizinhos, pelos colegas de escola. Dona Gildair também
proibiu bandeiras sobre o caixão. André, de terno, voltava a ser André, o seu menino.
Torcida organizada é uma praga que assola não só o futebol, isso se sabe não é de hoje. Na semana anterior, um
conflito em Campinas entre torcedores do Guarani e da Ponte Preta também resultara em um morto. O confronto do domingo
entre corintianos e palmeirenses é tido pela polícia como vingança de corintianos pela morte de um deles, no ano passado. De
vendeta em vendeta, segue a vida e segue a morte. Nas transmissões de TV, quando nos estádios eclode a colossal cantoria,
ritmada por corpos que se movimentam, as câmeras se fecham nas torcidas, os microfones se abrem, e os locutores se
empolgam – “Ouçam o canto da torcida!”, “Observem a coreografia”. Másculas coreografias e gritos em uníssono merecem ser
encarados com mais cautela. Desde as formações fascistas dos anos 1930/1940 até as da comunista Coreia do Norte de hoje,
o objetivo é conclamar à guerra.
Nas notas oficiais que divulgaram em sua defesa, a Mancha Alviverde e a Gaviões da Fiel coincidiram num ponto – as
duas culparam a polícia. Ela deveria saber que o local em que se deu o conflito do domingo — a Avenida Inajar de Souza — faz
parte do trajeto tanto de palmeirenses como de corintianos em demanda do Estádio do Pacaembu. Sendo assim, deveria
providenciar maior vigilância na área, ou impor itinerários diferentes para cada torcida. Os comunicados dão por suposto que
torcidas rivais não podem se encontrar em paz.
Dona Gildair vivia tal realidade de intolerância dentro de casa. Seus outros dois filhos também pertencem à Mancha
Alviverde. O mais velho, Lucas, não é pouca coisa na entidade – ocupa o cargo de vice-presidente. Num Corinthians x
Palmeiras do ano passado, Lucas levou um tiro na perna. Não contente, envolveu-se em outra briga, neste ano, e está proibido
de frequentar estádios. O próprio André já se envolvera em tumultos anteriormente, e fora detido duas vezes. O terceiro filho,
Tiago, gêmeo de André, foi detido por porte de arma logo depois do tumulto que vitimou o irmão.
Dona Gildair é evangélica. O marido é policial militar. Tudo muito brasileiro, muito classe C. Os dois filhos gêmeos
estudavam engenharia civil numa universidade particular (no caso do sobrevivente, talvez continue a estudar) – o que indica
perspectiva de ascensão social. Cada lado da família se ampara numa organização, a mãe numa igreja, os filhos numa torcida
– o que não impede que o perigo ronde permanentemente por perto. A pedido dos filhos, dona Gildair vez por outra ia à sede da
Mancha Alviverde, ajudar em trabalhos sociais. Mãe é mãe. No mais fatídico dia de sua vida, no entanto, mater dolorosa e mãe
coragem amalgamadas sob o mesmo vestido de evangélica, comprido até o tornozelo, disse chega. E mandou pôr um terno no
filho.
Artigo publicado na edição de VEJA de 4 de abril de 2012.
São utilizadas aspas em dois momentos do texto – nas linhas 14 e 22. Sobre tais ocorrências, é correto afirmar que as aspas se justificam, respectivamente, por:
Texto
Dona Gildair
Roberto Pompeu de Toledo
[1] André Alves Lezo, 21 anos, morto num confronto entre torcidas de futebol no domingo 25, em São Paulo, foi velado e
enterrado, no dia seguinte, vestindo um terno. O traje, imposto pela mãe, Gildair Alves, dizia muita coisa. Dona Gildair investiase,
na ocasião, de um dos mais típicos e sagrados papéis de mãe — o que combina o sofrimento com uma santa fúria. O terno
com que ela vestiu o cadáver do filho era um grito de protesto e um resgate de identidade.
[5] André integrava a maior das torcidas uniformizadas do Palmeiras, a Mancha Alviverde. Vinham, ele e um grupo de
companheiros, por uma avenida da Zona Norte de São Paulo quando foram interceptados por um grupo de corintianos,
apontados como integrantes da torcida Gaviões da Fiel. Horas depois, ocorreria naquele dia jogo entre Palmeiras e Corinthians.
Seguiu-se um conflito entre trezentos torcedores, na maioria armados com paus, pedras e barras de ferro, mas alguns também
com armas de fogo. André, atingido por um tiro na cabeça, morreu na noite daquele mesmo dia; outro torcedor do Palmeiras,
[10] Guilherme Vinicius Jovanelli Moreira, atingido por uma barra de ferro na cabeça, morreu dois dias depois.
Entre os presentes ao velório e ao enterro de André, na grande maioria integrantes da Mancha Alviverde, muitos
vestiam a camisa do Palmeiras ou da torcida. Se fosse possível computar todos os trajes que André usou em sua curta vida, é
provável que a camisa do Palmeiras se revelasse o mais frequente. Não naquele momento. Por imposição de dona Gildair,
André não era mais um “palmeirense”, a qualidade com que mais vezes foi identificado na imprensa, e talvez também a
[15] qualidade com que mais vezes terá sido descrito pelos familiares, pelos vizinhos, pelos colegas de escola. Dona Gildair também
proibiu bandeiras sobre o caixão. André, de terno, voltava a ser André, o seu menino.
Torcida organizada é uma praga que assola não só o futebol, isso se sabe não é de hoje. Na semana anterior, um
conflito em Campinas entre torcedores do Guarani e da Ponte Preta também resultara em um morto. O confronto do domingo
entre corintianos e palmeirenses é tido pela polícia como vingança de corintianos pela morte de um deles, no ano passado. De
[20] vendeta em vendeta, segue a vida e segue a morte. Nas transmissões de TV, quando nos estádios eclode a colossal cantoria,
ritmada por corpos que se movimentam, as câmeras se fecham nas torcidas, os microfones se abrem, e os locutores se
empolgam – “Ouçam o canto da torcida!”, “Observem a coreografia”. Másculas coreografias e gritos em uníssono merecem ser
encarados com mais cautela. Desde as formações fascistas dos anos 1930/1940 até as da comunista Coreia do Norte de hoje,
o objetivo é conclamar à guerra.
[25] Nas notas oficiais que divulgaram em sua defesa, a Mancha Alviverde e a Gaviões da Fiel coincidiram num ponto – as
duas culparam a polícia. Ela deveria saber que o local em que se deu o conflito do domingo — a Avenida Inajar de Souza — faz
parte do trajeto tanto de palmeirenses como de corintianos em demanda do Estádio do Pacaembu. Sendo assim, deveria
providenciar maior vigilância na área, ou impor itinerários diferentes para cada torcida. Os comunicados dão por suposto que
torcidas rivais não podem se encontrar em paz.
[30] Dona Gildair vivia tal realidade de intolerância dentro de casa. Seus outros dois filhos também pertencem à Mancha
Alviverde. O mais velho, Lucas, não é pouca coisa na entidade – ocupa o cargo de vice-presidente. Num Corinthians x
Palmeiras do ano passado, Lucas levou um tiro na perna. Não contente, envolveu-se em outra briga, neste ano, e está proibido
de frequentar estádios. O próprio André já se envolvera em tumultos anteriormente, e fora detido duas vezes. O terceiro filho,
Tiago, gêmeo de André, foi detido por porte de arma logo depois do tumulto que vitimou o irmão.
[35] Dona Gildair é evangélica. O marido é policial militar. Tudo muito brasileiro, muito classe C. Os dois filhos gêmeos
estudavam engenharia civil numa universidade particular (no caso do sobrevivente, talvez continue a estudar) – o que indica
perspectiva de ascensão social. Cada lado da família se ampara numa organização, a mãe numa igreja, os filhos numa torcida
– o que não impede que o perigo ronde permanentemente por perto. A pedido dos filhos, dona Gildair vez por outra ia à sede da
Mancha Alviverde, ajudar em trabalhos sociais. Mãe é mãe. No mais fatídico dia de sua vida, no entanto, mater dolorosa e mãe
[40] coragem amalgamadas sob o mesmo vestido de evangélica, comprido até o tornozelo, disse chega. E mandou pôr um terno no
filho.
Artigo publicado na edição de VEJA de 4 de abril de 2012.
O texto faz uso de alguns recurso linguísticos para construir a imagem das personagens apresentadas nos fatos relatados. Acerca dessa construção, apresentam-se as afirmativas a seguir:
I. Ao apresentar André Alves Lezo (linha 1), o texto cita sua idade por meio de um predicativo do sujeito, o que se constitui numa informação irrelevante na proposta argumentativa que se apresenta.
II. Os elementos determinantes nas expressões nominais “Másculas coreografias e gritos em uníssono” (linha 22) ilustram a força das torcidas organizadas, colaborando na construção do argumento apresentado pelo texto acerca do perigo que elas representam.
III. Nas orações: “Dona Gildair é evangélica. O marido é policial militar.” (linha 35), o predicado nominal exerce afunção de veicular aspectos descritivos que contribuem para a defesa da proposta argumentativa do texto.
É correto o que se afirma em:
Dona Gildair
Roberto Pompeu de Toledo
André Alves Lezo, 21 anos, morto num confronto entre torcidas de futebol no domingo 25, em São Paulo, foi velado e
enterrado, no dia seguinte, vestindo um terno. O traje, imposto pela mãe, Gildair Alves, dizia muita coisa. Dona Gildair investiase,
na ocasião, de um dos mais típicos e sagrados papéis de mãe — o que combina o sofrimento com uma santa fúria. O terno
com que ela vestiu o cadáver do filho era um grito de protesto e um resgate de identidade.
André integrava a maior das torcidas uniformizadas do Palmeiras, a Mancha Alviverde. Vinham, ele e um grupo de
companheiros, por uma avenida da Zona Norte de São Paulo quando foram interceptados por um grupo de corintianos,
apontados como integrantes da torcida Gaviões da Fiel. Horas depois, ocorreria naquele dia jogo entre Palmeiras e Corinthians.
Seguiu-se um conflito entre trezentos torcedores, na maioria armados com paus, pedras e barras de ferro, mas alguns também
com armas de fogo. André, atingido por um tiro na cabeça, morreu na noite daquele mesmo dia; outro torcedor do Palmeiras,
Guilherme Vinicius Jovanelli Moreira, atingido por uma barra de ferro na cabeça, morreu dois dias depois.
Entre os presentes ao velório e ao enterro de André, na grande maioria integrantes da Mancha Alviverde, muitos
vestiam a camisa do Palmeiras ou da torcida. Se fosse possível computar todos os trajes que André usou em sua curta vida, é
provável que a camisa do Palmeiras se revelasse o mais frequente. Não naquele momento. Por imposição de dona Gildair,
André não era mais um “palmeirense”, a qualidade com que mais vezes foi identificado na imprensa, e talvez também a
qualidade com que mais vezes terá sido descrito pelos familiares, pelos vizinhos, pelos colegas de escola. Dona Gildair também
proibiu bandeiras sobre o caixão. André, de terno, voltava a ser André, o seu menino.
Torcida organizada é uma praga que assola não só o futebol, isso se sabe não é de hoje. Na semana anterior, um
conflito em Campinas entre torcedores do Guarani e da Ponte Preta também resultara em um morto. O confronto do domingo
entre corintianos e palmeirenses é tido pela polícia como vingança de corintianos pela morte de um deles, no ano passado. De
vendeta em vendeta, segue a vida e segue a morte. Nas transmissões de TV, quando nos estádios eclode a colossal cantoria,
ritmada por corpos que se movimentam, as câmeras se fecham nas torcidas, os microfones se abrem, e os locutores se
empolgam – “Ouçam o canto da torcida!”, “Observem a coreografia”. Másculas coreografias e gritos em uníssono merecem ser
encarados com mais cautela. Desde as formações fascistas dos anos 1930/1940 até as da comunista Coreia do Norte de hoje,
o objetivo é conclamar à guerra.
Nas notas oficiais que divulgaram em sua defesa, a Mancha Alviverde e a Gaviões da Fiel coincidiram num ponto – as
duas culparam a polícia. Ela deveria saber que o local em que se deu o conflito do domingo — a Avenida Inajar de Souza — faz
parte do trajeto tanto de palmeirenses como de corintianos em demanda do Estádio do Pacaembu. Sendo assim, deveria
providenciar maior vigilância na área, ou impor itinerários diferentes para cada torcida. Os comunicados dão por suposto que
torcidas rivais não podem se encontrar em paz.
Dona Gildair vivia tal realidade de intolerância dentro de casa. Seus outros dois filhos também pertencem à Mancha
Alviverde. O mais velho, Lucas, não é pouca coisa na entidade – ocupa o cargo de vice-presidente. Num Corinthians x
Palmeiras do ano passado, Lucas levou um tiro na perna. Não contente, envolveu-se em outra briga, neste ano, e está proibido
de frequentar estádios. O próprio André já se envolvera em tumultos anteriormente, e fora detido duas vezes. O terceiro filho,
Tiago, gêmeo de André, foi detido por porte de arma logo depois do tumulto que vitimou o irmão.
Dona Gildair é evangélica. O marido é policial militar. Tudo muito brasileiro, muito classe C. Os dois filhos gêmeos
estudavam engenharia civil numa universidade particular (no caso do sobrevivente, talvez continue a estudar) – o que indica
perspectiva de ascensão social. Cada lado da família se ampara numa organização, a mãe numa igreja, os filhos numa torcida
– o que não impede que o perigo ronde permanentemente por perto. A pedido dos filhos, dona Gildair vez por outra ia à sede da
Mancha Alviverde, ajudar em trabalhos sociais. Mãe é mãe. No mais fatídico dia de sua vida, no entanto, mater dolorosa e mãe
coragem amalgamadas sob o mesmo vestido de evangélica, comprido até o tornozelo, disse chega. E mandou pôr um terno no
filho.
Artigo publicado na edição de VEJA de 4 de abril de 2012.
Analise como V (verdadeiras) ou F (falsas) as afirmações acerca dos efeitos de sentido produzidos pelo uso dos tempos e modos verbais:
(__) O presente é usado para marcar a duração do fato, a qual abrange o momento da fala, como se verifica em: merecem (linha 22) e indica (linha 36).
(__) O pretérito perfeito do indicativo é usado para desencadear a ideia de ações habituais, repetidas, como se verifica em: integrava (linha 5) e culparam (linha 26).
(__) O pretérito mais-que-perfeito é usado para indicar uma ação que ocorreu antes de outra ação já passada, como se verifica em: resultara (linha 18) e fora detido (linha 33).
(__) O futuro do pretérito é usado para referir-se a fatos que não se realizaram e que, provavelmente, não serealizarão, como em: deveria (linha 27) e continue (linha 36).
(__) O modo imperativo é usado para levar o interlocutor a cumprir a ação indicada pelo verbo, como se verifica em: ouçam (linha 22) e observem (linha 22).
A sequência correta é: