O que seria o preconceito linguístico? Ele existe? Se sim, qual a sua natureza? Se deve ser combatido, como todos os preconceitos, quais deveriam ser as armas de combate?
Talvez seja bom começar por uma definição de preconceito. A do Dicionário Houaiss é bastante esclarecedora. Segundo essa fonte, preconceito é “qualquer opinião ou sentimento, quer favorável quer desfavorável, concebido sem exame crítico”, o que em seguida é mais bem especificado: “ideia, opinião ou sentimento desfavorável formado a priori, sem maior conhecimento, ponderação ou razão”.
Na segunda acepção, o preconceito é definido como “atitude, sentimento ou parecer insensato, especialmente de natureza hostil, assumido em consequência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio; intolerância”. Os preconceitos que se tornaram mais conhecidos e cujo combate é mais aceito são o racial e o de gênero.
A expressão “preconceito linguístico” é mais ou menos corrente entre leitores de sociolinguística, disciplina que estuda o fenômeno da variação linguística, os fatores que a condicionam e as atitudes da sociedade em relação às variedades.
Voltemos ao Houaiss, que assim define preconceito linguístico: “qualquer crença sem fundamento científico acerca das línguas e de seus usuários, como, p. ex., a crença de que existem línguas desenvolvidas e línguas primitivas, ou de que só a língua das classes cultas possui gramática, ou de que os povos indígenas da África e da América não possuem línguas, apenas dialetos”.
No fundo, o preconceito linguístico é um preconceito social. É uma discriminação sem fundamento que atinge falantes inferiorizados por alguma razão e por algum fato histórico. Nós o compreenderíamos melhor se nos déssemos conta de que ‘falar bem’ é uma regra da mesma natureza das regras de etiqueta, das regras de comportamento social. Os que dizemos que falam errado são apenas cidadãos que seguem outras regras e que não têm poder para ditar quais são as elegantes.
Isso não significa dizer que a norma culta não é relevante ou que não precisa ser ensinada. Significa apenas que as normas não cultas não são o que sempre se disse delas. E elas mereceriam não ser objeto de preconceito.
A leitura de um ou dois capítulos de qualquer manual de linguística poderia fazer com que todos se convencessem de que estivemos equivocados durante séculos em relação a conceitos como ‘falar errado’. Para combater esse preconceito, basta um pouco de informação.
(Fonte: Sírio Possenti. Preconceito linguístico. Disponível em http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/palavreado/preconceito-linguistico, acesso em 10/08/2014, adaptado).
TEXTO 3
DIFERENÇAS REGIONAIS NA FALA PRECONCEITO LINGUÍSTICO
(Publicado em 08/01/2010)
Em seu livro “Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula”, Stella Maris Bortoni-Ricardo afirma que as tirinhas do Chico Bento, que na década de 1980 quase tiveram sua publicação impedida pelo Conselho Nacional da Cultura, o qual alegava um possível mau exemplo às crianças brasileiras, que passariam a falar “errado” como o personagem em questão, servem, não obstante a tudo isso, de excelente material para ser usado em sala de aula:
“Chico Bento pode se transformar, em nossas salas de aula, em um símbolo do multiculturalismo que ali deve ser cultivado. Suas historinhas são também ótimos recursos para despertarmos em nossos alunos a consciência da diversidade sociolinguística.”
(BORTONI-RICARDO, 2004, p.46).
Sendo assim, uma vez que professores disponham de materiais afins, é possível conduzir um rico debate acerca da variedade linguística e das diferenças regionais. Com isso, na escola, os professores poderão contribuir para minimizar os efeitos do preconceito que há nos tratamentos dispensados aos fenômenos que existem nas formas de comunicação de pessoas habitantes ou provenientes de algumas regiões do Brasil, como é o caso desse personagem de Maurício de Sousa.
Assim como nas tirinhas do Chico Bento, há preconceitos circulando em vários meios de comunicação, como na mídia em que programas de vários gêneros da televisão brasileira transferem características rudes e grotescas à figura do cidadão nordestino, dando a ideia de ele ser uma pessoa inferior aos demais. Quando um programa televisivo quer figurar um “homem do interior”, por exemplo, frequentemente o coloca em situação inferior aos outros personagens, provocando risos nos companheiros de cena e nos espectadores.
O que ocorre nessa questão é que se deixa de problematizar a língua e passa-se a problematizar o falante desta e, ainda, a região geográfica na qual este está localizado, uma vez que as diferenças sociais e culturais não são respeitadas. É por isso que o tema precisa ser amplamente discutido na sociedade para conscientização geral.
(Fonte: Disponível em http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=1717, acesso em 10/07/2014, adaptado).
Os textos 2 e 3 mencionam o personagem de Chico Bento, igualmente, para: