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Chove no sertão e não tem nada mais bonito
É preciso lembrar dos milhares de “anjinhos” e das vidas secas antes dos programais sociais no Nordeste.
XICO SÁ
24 FEV 2018
Desculpem, amigos, mas quando chove
bem no Cariri e arredores não conseguimos fa-
lar de outro assunto. Coisa de caririense, coisa
de cearense, coisa do interior nordestino. […]
[5] Depois de sete anos de vidassecas, o aguaceiro,
comdireito à imagemmais bonita da existência:
alguns açudes sangrando.
Nada mais lindo que um açude sangrando,
comentou o camarada potiguar Carlão de
[10] Souza esta semana. Não cabe na vista. A
mesma sangria, sem nada combinado, foi as-
sunto de outro irmão rochedo, Paulo Mota, das
bandas de Sucesso, área cearense de Tamboril,
pense na geografia, pense! Não há como não se
[15] arrupiar todinho diante de tal fenômeno. Levo
essa ideia da chuva para onde for, só a chuva
nos importa, mesmo quando estamos nos sítios
mais chuvosos do universo. A chuva é meu gol,
minha Copa do Mundo, Deus gozando a glória,
[20] meu amor.
Mesmo depois de quatro décadas mo-
rando longe da nação semiárida, o tema chu-
voso encobre qualquer outra história. Nunca
perdemos a mania. Mesmo antes de qualquer
[25] preâmbulo carinhoso do telefonema, sai
inevitavelmente a naturalíssima pergunta: “Tá
chovendo?” E como ficamos revoltados
quando os moços e moças da meteorologia da
tevê dizem “tempo bom” no Nordeste para in-
[30] dicar que será mais um dia de estiagem.
Tempo bom uma ova. Sorte que pelo menos a
Maju, no JN, tem o cuidado de não cometer
essa indelicadeza, ela mudou essa história,
juro. Sempre lembro do meu avô Manuel No-
[35] vais, pernambucaníssimo em modos e blas-
fêmias, brigando com os locutores do rádio e
da televisão: “Tempo bom para quem, filho de
uma égua!” Daí saía um rosário de palavrões:
febre-do-rato, istampô-calango, besta fubana,
[40] peste bubônica etc.
Quem disse que os meus parentes mais
velhos da Baixada Fluminense, mesmo sob o
bafo no cangote da Intervenção Militar no
Rio, comentaram outra pauta. Só a chuva em
[45] Bodocó (PE) e na encosta na chapada do
Araripe interessa. Em SP, o mesmo coro dos
contentes: do Parque São Rafael, na ZL, a Pi-
rituba, no noroeste paulistano, onde Aristides
Moreno, quase 90 de vida, meu herói de in-
[50] fância, o homem que vi enfrentar secas bra-
bas, coivaras, brocas e escavações de poços
profundos que atingiam o Japão e quase não
chegavam em um veio d´água. Minha tia-avó
Rudá, em São Miguel Paulista,símbolo de re-
[55] sistência sob o sol de Raquel e Graciliano,
que o diga. Esse mar de histórias me chega
pelo amigo Francisco de Assis, meu Homero
das narrações dos “sertanejos do Norte”, das
gentes “lá de nós”, pois.
[60] E tem um livro bonito, rapaz, que mostra
esse nosso alumbramento com a chuva, um
livro de fotos de Fred Jordão, chama Sertão
Verde-paisagens. […]. Desculpem, leitores, o
país sob nuvens de chumbo, um resquício au-
[65] toritário da moléstia dos cachorros, e este cro-
nista, qual o cantor Demetrius, no ritmo da
chuva. É mais forte, colegas, os olhos do ma-
tuto faíscam, a memória rebobina relâmpagos
e promessas de promissores horizontes que, na
[70] maioria das vezes, deram em nada. Quantas
retinas gastas com estes clarões. Sabe lá o que
é isso? […]
Depois de uns sete anos de seca braba na
maior parte do semiárido, que vive processo
[75] de desertificação, a chuva é festa. Tamanha
estiagem, antes de programas como o Bolsa
Família, provocava convulsões sociais e as
notícias de saques eram diárias. Testemunhei
centenas de invasões de hordas de famintos
[80] em feiras livres e armazéns de cereais no Crato
e Nova Olinda. No cemitério de Aratama, dis-
trito de Assaré (CE), via e revia a chegada de
centenas de “anjinhos”, como eram chamados
os recém-nascidos e crianças mortas pela des-
[85] nutrição. Aqueles pequenos caixões azuis
fornecidos por caridade da Igreja Católica
mancham a vista até hoje. “Deus que levou”,
diziam as mães, resignadas, Deussabe como!
Logo mais narrarei toda essa memória pra
[90] Irene, minha filha de um ano, que já viu tem-
pestade desta safra no colo dos avós “lá em
nós”. E não é que a mãe Larissa, um dia antes
de saber o tema dessa crônica, leu para a da-
nada “Ombela, a origem da chuvas” (editora
[95] Pallas Mini, 2014), do irmão angolano
Ondjaki?! Assimele começa o livro e assim eu
acabo esta crônica molhadinha: “Dizem os
mais velhos que a chuva nasceu da lágrima de
Ombela, uma deusa que estava triste”.
(Fonte:Jornal El País - https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/24/opinion/1519484958_938753.html (Adaptado)).
Com base na crônica de Xico Sá, considere as afirmativas que seguem.
I. A chuva abundante, que faz "sangrar" os açudes, traz esperança de dias melhores para o interior do Nordeste.
II. A chuva abundante faz os "sertanejos do Norte" esquecerem as dificuldades passa-das com a seca.
III. A falta de água provoca graves problemas sociais, como a fome e a violência.
IV. A chuva que cai no sertão nordestino é como um prenúncio de todos os dias difí-ceis que estamos vivendo.
Estão corretas
Chove no sertão e não tem nada mais bonito
É preciso lembrar dos milhares de “anjinhos” e das vidas secas antes dos programais sociais no Nordeste.
XICO SÁ
24 FEV 2018
Desculpem, amigos, mas quando chove
bem no Cariri e arredores não conseguimos fa-
lar de outro assunto. Coisa de caririense, coisa
de cearense, coisa do interior nordestino. […]
[5] Depois de sete anos de vidassecas, o aguaceiro,
comdireito à imagemmais bonita da existência:
alguns açudes sangrando.
Nada mais lindo que um açude sangrando,
comentou o camarada potiguar Carlão de
[10] Souza esta semana. Não cabe na vista. A
mesma sangria, sem nada combinado, foi as-
sunto de outro irmão rochedo, Paulo Mota, das
bandas de Sucesso, área cearense de Tamboril,
pense na geografia, pense! Não há como não se
[15] arrupiar todinho diante de tal fenômeno. Levo
essa ideia da chuva para onde for, só a chuva
nos importa, mesmo quando estamos nos sítios
mais chuvosos do universo. A chuva é meu gol,
minha Copa do Mundo, Deus gozando a glória,
[20] meu amor.
Mesmo depois de quatro décadas mo-
rando longe da nação semiárida, o tema chu-
voso encobre qualquer outra história. Nunca
perdemos a mania. Mesmo antes de qualquer
[25] preâmbulo carinhoso do telefonema, sai
inevitavelmente a naturalíssima pergunta: “Tá
chovendo?” E como ficamos revoltados
quando os moços e moças da meteorologia da
tevê dizem “tempo bom” no Nordeste para in-
[30] dicar que será mais um dia de estiagem.
Tempo bom uma ova. Sorte que pelo menos a
Maju, no JN, tem o cuidado de não cometer
essa indelicadeza, ela mudou essa história,
juro. Sempre lembro do meu avô Manuel No-
[35] vais, pernambucaníssimo em modos e blas-
fêmias, brigando com os locutores do rádio e
da televisão: “Tempo bom para quem, filho de
uma égua!” Daí saía um rosário de palavrões:
febre-do-rato, istampô-calango, besta fubana,
[40] peste bubônica etc.
Quem disse que os meus parentes mais
velhos da Baixada Fluminense, mesmo sob o
bafo no cangote da Intervenção Militar no
Rio, comentaram outra pauta. Só a chuva em
[45] Bodocó (PE) e na encosta na chapada do
Araripe interessa. Em SP, o mesmo coro dos
contentes: do Parque São Rafael, na ZL, a Pi-
rituba, no noroeste paulistano, onde Aristides
Moreno, quase 90 de vida, meu herói de in-
[50] fância, o homem que vi enfrentar secas bra-
bas, coivaras, brocas e escavações de poços
profundos que atingiam o Japão e quase não
chegavam em um veio d´água. Minha tia-avó
Rudá, em São Miguel Paulista,símbolo de re-
[55] sistência sob o sol de Raquel e Graciliano,
que o diga. Esse mar de histórias me chega
pelo amigo Francisco de Assis, meu Homero
das narrações dos “sertanejos do Norte”, das
gentes “lá de nós”, pois.
[60] E tem um livro bonito, rapaz, que mostra
esse nosso alumbramento com a chuva, um
livro de fotos de Fred Jordão, chama Sertão
Verde-paisagens. […]. Desculpem, leitores, o
país sob nuvens de chumbo, um resquício au-
[65] toritário da moléstia dos cachorros, e este cro-
nista, qual o cantor Demetrius, no ritmo da
chuva. É mais forte, colegas, os olhos do ma-
tuto faíscam, a memória rebobina relâmpagos
e promessas de promissores horizontes que, na
[70] maioria das vezes, deram em nada. Quantas
retinas gastas com estes clarões. Sabe lá o que
é isso? […]
Depois de uns sete anos de seca braba na
maior parte do semiárido, que vive processo
[75] de desertificação, a chuva é festa. Tamanha
estiagem, antes de programas como o Bolsa
Família, provocava convulsões sociais e as
notícias de saques eram diárias. Testemunhei
centenas de invasões de hordas de famintos
[80] em feiras livres e armazéns de cereais no Crato
e Nova Olinda. No cemitério de Aratama, dis-
trito de Assaré (CE), via e revia a chegada de
centenas de “anjinhos”, como eram chamados
os recém-nascidos e crianças mortas pela des-
[85] nutrição. Aqueles pequenos caixões azuis
fornecidos por caridade da Igreja Católica
mancham a vista até hoje. “Deus que levou”,
diziam as mães, resignadas, Deussabe como!
Logo mais narrarei toda essa memória pra
[90] Irene, minha filha de um ano, que já viu tem-
pestade desta safra no colo dos avós “lá em
nós”. E não é que a mãe Larissa, um dia antes
de saber o tema dessa crônica, leu para a da-
nada “Ombela, a origem da chuvas” (editora
[95] Pallas Mini, 2014), do irmão angolano
Ondjaki?! Assimele começa o livro e assim eu
acabo esta crônica molhadinha: “Dizem os
mais velhos que a chuva nasceu da lágrima de
Ombela, uma deusa que estava triste”.
(Fonte:Jornal El País - https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/24/opinion/1519484958_938753.html (Adaptado)).
"Mesmo antes de qualquer preâmbulo carinhoso do telefonema, sai inevitavelmente a naturalíssima pergunta: “Tá chovendo?” E como ficamos revoltados quando os moços e moças da meteorologia da tevê dizem “tempo bom” no Nordeste para indicar que será mais um dia de estiagem. Tempo bom uma ova."
Considerando as marcas textuais, presentes ao longo do texto base, e a indagação do autor, demonstrada no trecho destacado do texto, avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas.
I. Grandes períodos com clima muito seco, no Nordeste, asseveram as crises econômica, política e social que atingem a região.
PORQUE
II. Há o enriquecimento crescente das áreas litorâneas do Nordeste, que se beneficiam do clima seco e quente o ano inteiro, e o empobrecimento agudo do sertão nordestino, que sofre com a falta de recursos básicos para a sobrevivência.
A respeito dessas asserções, assinale a alternativa correta.
Chove no sertão e não tem nada mais bonito
É preciso lembrar dos milhares de “anjinhos” e das vidas secas antes dos programais sociais no Nordeste.
XICO SÁ
24 FEV 2018
Desculpem, amigos, mas quando chove
bem no Cariri e arredores não conseguimos fa-
lar de outro assunto. Coisa de caririense, coisa
de cearense, coisa do interior nordestino. […]
[5] Depois de sete anos de vidassecas, o aguaceiro,
comdireito à imagemmais bonita da existência:
alguns açudes sangrando.
Nada mais lindo que um açude sangrando,
comentou o camarada potiguar Carlão de
[10] Souza esta semana. Não cabe na vista. A
mesma sangria, sem nada combinado, foi as-
sunto de outro irmão rochedo, Paulo Mota, das
bandas de Sucesso, área cearense de Tamboril,
pense na geografia, pense! Não há como não se
[15] arrupiar todinho diante de tal fenômeno. Levo
essa ideia da chuva para onde for, só a chuva
nos importa, mesmo quando estamos nos sítios
mais chuvosos do universo. A chuva é meu gol,
minha Copa do Mundo, Deus gozando a glória,
[20] meu amor.
Mesmo depois de quatro décadas mo-
rando longe da nação semiárida, o tema chu-
voso encobre qualquer outra história. Nunca
perdemos a mania. Mesmo antes de qualquer
[25] preâmbulo carinhoso do telefonema, sai
inevitavelmente a naturalíssima pergunta: “Tá
chovendo?” E como ficamos revoltados
quando os moços e moças da meteorologia da
tevê dizem “tempo bom” no Nordeste para in-
[30] dicar que será mais um dia de estiagem.
Tempo bom uma ova. Sorte que pelo menos a
Maju, no JN, tem o cuidado de não cometer
essa indelicadeza, ela mudou essa história,
juro. Sempre lembro do meu avô Manuel No-
[35] vais, pernambucaníssimo em modos e blas-
fêmias, brigando com os locutores do rádio e
da televisão: “Tempo bom para quem, filho de
uma égua!” Daí saía um rosário de palavrões:
febre-do-rato, istampô-calango, besta fubana,
[40] peste bubônica etc.
Quem disse que os meus parentes mais
velhos da Baixada Fluminense, mesmo sob o
bafo no cangote da Intervenção Militar no
Rio, comentaram outra pauta. Só a chuva em
[45] Bodocó (PE) e na encosta na chapada do
Araripe interessa. Em SP, o mesmo coro dos
contentes: do Parque São Rafael, na ZL, a Pi-
rituba, no noroeste paulistano, onde Aristides
Moreno, quase 90 de vida, meu herói de in-
[50] fância, o homem que vi enfrentar secas bra-
bas, coivaras, brocas e escavações de poços
profundos que atingiam o Japão e quase não
chegavam em um veio d´água. Minha tia-avó
Rudá, em São Miguel Paulista,símbolo de re-
[55] sistência sob o sol de Raquel e Graciliano,
que o diga. Esse mar de histórias me chega
pelo amigo Francisco de Assis, meu Homero
das narrações dos “sertanejos do Norte”, das
gentes “lá de nós”, pois.
[60] E tem um livro bonito, rapaz, que mostra
esse nosso alumbramento com a chuva, um
livro de fotos de Fred Jordão, chama Sertão
Verde-paisagens. […]. Desculpem, leitores, o
país sob nuvens de chumbo, um resquício au-
[65] toritário da moléstia dos cachorros, e este cro-
nista, qual o cantor Demetrius, no ritmo da
chuva. É mais forte, colegas, os olhos do ma-
tuto faíscam, a memória rebobina relâmpagos
e promessas de promissores horizontes que, na
[70] maioria das vezes, deram em nada. Quantas
retinas gastas com estes clarões. Sabe lá o que
é isso? […]
Depois de uns sete anos de seca braba na
maior parte do semiárido, que vive processo
[75] de desertificação, a chuva é festa. Tamanha
estiagem, antes de programas como o Bolsa
Família, provocava convulsões sociais e as
notícias de saques eram diárias. Testemunhei
centenas de invasões de hordas de famintos
[80] em feiras livres e armazéns de cereais no Crato
e Nova Olinda. No cemitério de Aratama, dis-
trito de Assaré (CE), via e revia a chegada de
centenas de “anjinhos”, como eram chamados
os recém-nascidos e crianças mortas pela des-
[85] nutrição. Aqueles pequenos caixões azuis
fornecidos por caridade da Igreja Católica
mancham a vista até hoje. “Deus que levou”,
diziam as mães, resignadas, Deussabe como!
Logo mais narrarei toda essa memória pra
[90] Irene, minha filha de um ano, que já viu tem-
pestade desta safra no colo dos avós “lá em
nós”. E não é que a mãe Larissa, um dia antes
de saber o tema dessa crônica, leu para a da-
nada “Ombela, a origem da chuvas” (editora
[95] Pallas Mini, 2014), do irmão angolano
Ondjaki?! Assimele começa o livro e assim eu
acabo esta crônica molhadinha: “Dizem os
mais velhos que a chuva nasceu da lágrima de
Ombela, uma deusa que estava triste”.
(Fonte:Jornal El País - https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/24/opinion/1519484958_938753.html (Adaptado)).
Assinale V (verdadeiro) ou F (Falso) para as afirmações a seguir, sempre considerando o texto base.
( ) A expressão “açude sangrando” (
ℓ.7 e 8) refere-se aos açudes que atingiram sua capacidade máxima de armazenamento de água e ficam com a cor avermelhada da terra do sertão.
( ) A expressão “irmão rochedo” (
ℓ.12) refere-se às pessoas resistentes que vivem no Nor-deste e que sobrevivem às desventuras causadas pela falta de água, com a firmeza de uma rocha.
( )O trecho “símbolo de resistência sob o sol de Raquel e Graciliano” (ℓ.54 e 55) é uma referência explícita ao Nordeste retratado nas obras de Raquel de Queirós e Graciliano Ramos.
( ) A expressão “nuvens de chumbo” (ℓ.64) é uma alusão tanto ao momento sombrio, cinza, que o país está vivendo, quanto à possível volta dos “anos de chumbo”, como ficaram conhecidos os anos de ditadura militar.
A sequência correta é
Chove no sertão e não tem nada mais bonito
É preciso lembrar dos milhares de “anjinhos” e das vidas secas antes dos programais sociais no Nordeste.
XICO SÁ
24 FEV 2018
Desculpem, amigos, mas quando chove
bem no Cariri e arredores não conseguimos fa-
lar de outro assunto. Coisa de caririense, coisa
de cearense, coisa do interior nordestino. […]
[5] Depois de sete anos de vidassecas, o aguaceiro,
comdireito à imagemmais bonita da existência:
alguns açudes sangrando.
Nada mais lindo que um açude sangrando,
comentou o camarada potiguar Carlão de
[10] Souza esta semana. Não cabe na vista. A
mesma sangria, sem nada combinado, foi as-
sunto de outro irmão rochedo, Paulo Mota, das
bandas de Sucesso, área cearense de Tamboril,
pense na geografia, pense! Não há como não se
[15] arrupiar todinho diante de tal fenômeno. Levo
essa ideia da chuva para onde for, só a chuva
nos importa, mesmo quando estamos nos sítios
mais chuvosos do universo. A chuva é meu gol,
minha Copa do Mundo, Deus gozando a glória,
[20] meu amor.
Mesmo depois de quatro décadas mo-
rando longe da nação semiárida, o tema chu-
voso encobre qualquer outra história. Nunca
perdemos a mania. Mesmo antes de qualquer
[25] preâmbulo carinhoso do telefonema, sai
inevitavelmente a naturalíssima pergunta: “Tá
chovendo?” E como ficamos revoltados
quando os moços e moças da meteorologia da
tevê dizem “tempo bom” no Nordeste para in-
[30] dicar que será mais um dia de estiagem.
Tempo bom uma ova. Sorte que pelo menos a
Maju, no JN, tem o cuidado de não cometer
essa indelicadeza, ela mudou essa história,
juro. Sempre lembro do meu avô Manuel No-
[35] vais, pernambucaníssimo em modos e blas-
fêmias, brigando com os locutores do rádio e
da televisão: “Tempo bom para quem, filho de
uma égua!” Daí saía um rosário de palavrões:
febre-do-rato, istampô-calango, besta fubana,
[40] peste bubônica etc.
Quem disse que os meus parentes mais
velhos da Baixada Fluminense, mesmo sob o
bafo no cangote da Intervenção Militar no
Rio, comentaram outra pauta. Só a chuva em
[45] Bodocó (PE) e na encosta na chapada do
Araripe interessa. Em SP, o mesmo coro dos
contentes: do Parque São Rafael, na ZL, a Pi-
rituba, no noroeste paulistano, onde Aristides
Moreno, quase 90 de vida, meu herói de in-
[50] fância, o homem que vi enfrentar secas bra-
bas, coivaras, brocas e escavações de poços
profundos que atingiam o Japão e quase não
chegavam em um veio d´água. Minha tia-avó
Rudá, em São Miguel Paulista,símbolo de re-
[55] sistência sob o sol de Raquel e Graciliano,
que o diga. Esse mar de histórias me chega
pelo amigo Francisco de Assis, meu Homero
das narrações dos “sertanejos do Norte”, das
gentes “lá de nós”, pois.
[60] E tem um livro bonito, rapaz, que mostra
esse nosso alumbramento com a chuva, um
livro de fotos de Fred Jordão, chama Sertão
Verde-paisagens. […]. Desculpem, leitores, o
país sob nuvens de chumbo, um resquício au-
[65] toritário da moléstia dos cachorros, e este cro-
nista, qual o cantor Demetrius, no ritmo da
chuva. É mais forte, colegas, os olhos do ma-
tuto faíscam, a memória rebobina relâmpagos
e promessas de promissores horizontes que, na
[70] maioria das vezes, deram em nada. Quantas
retinas gastas com estes clarões. Sabe lá o que
é isso? […]
Depois de uns sete anos de seca braba na
maior parte do semiárido, que vive processo
[75] de desertificação, a chuva é festa. Tamanha
estiagem, antes de programas como o Bolsa
Família, provocava convulsões sociais e as
notícias de saques eram diárias. Testemunhei
centenas de invasões de hordas de famintos
[80] em feiras livres e armazéns de cereais no Crato
e Nova Olinda. No cemitério de Aratama, dis-
trito de Assaré (CE), via e revia a chegada de
centenas de “anjinhos”, como eram chamados
os recém-nascidos e crianças mortas pela des-
[85] nutrição. Aqueles pequenos caixões azuis
fornecidos por caridade da Igreja Católica
mancham a vista até hoje. “Deus que levou”,
diziam as mães, resignadas, Deussabe como!
Logo mais narrarei toda essa memória pra
[90] Irene, minha filha de um ano, que já viu tem-
pestade desta safra no colo dos avós “lá em
nós”. E não é que a mãe Larissa, um dia antes
de saber o tema dessa crônica, leu para a da-
nada “Ombela, a origem da chuvas” (editora
[95] Pallas Mini, 2014), do irmão angolano
Ondjaki?! Assimele começa o livro e assim eu
acabo esta crônica molhadinha: “Dizem os
mais velhos que a chuva nasceu da lágrima de
Ombela, uma deusa que estava triste”.
(Fonte:Jornal El País - https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/24/opinion/1519484958_938753.html (Adaptado)).
Relacione as colunas quanto ao significado atribuído ao sufixo na formação das palavras do texto destacadas abaixo. Depois, assinale a alternativa correta.
1. Sufixo indicador de procedência
2. Sufixo indicador de abundância
3. Sufixo indicador de atributo/qualidade
4. Sufixo indicador de agente/atividade
5. Sufixo indicador de tamanho/intensidade
( ) caririense ( ℓ.3)
( ) indelicadeza ( ℓ.33)
( ) rochedo ( ℓ.12)
( ) cronista( ℓ.65 e 66)
( ) naturalíssima ( ℓ.26)
A sequência correta é
Chove no sertão e não tem nada mais bonito
É preciso lembrar dos milhares de “anjinhos” e das vidas secas antes dos programais sociais no Nordeste.
XICO SÁ
24 FEV 2018
Desculpem, amigos, mas quando chove
bem no Cariri e arredores não conseguimos fa-
lar de outro assunto. Coisa de caririense, coisa
de cearense, coisa do interior nordestino. […]
[5] Depois de sete anos de vidassecas, o aguaceiro,
comdireito à imagemmais bonita da existência:
alguns açudes sangrando.
Nada mais lindo que um açude sangrando,
comentou o camarada potiguar Carlão de
[10] Souza esta semana. Não cabe na vista. A
mesma sangria, sem nada combinado, foi as-
sunto de outro irmão rochedo, Paulo Mota, das
bandas de Sucesso, área cearense de Tamboril,
pense na geografia, pense! Não há como não se
[15] arrupiar todinho diante de tal fenômeno. Levo
essa ideia da chuva para onde for, só a chuva
nos importa, mesmo quando estamos nos sítios
mais chuvosos do universo. A chuva é meu gol,
minha Copa do Mundo, Deus gozando a glória,
[20] meu amor.
Mesmo depois de quatro décadas mo-
rando longe da nação semiárida, o tema chu-
voso encobre qualquer outra história. Nunca
perdemos a mania. Mesmo antes de qualquer
[25] preâmbulo carinhoso do telefonema, sai
inevitavelmente a naturalíssima pergunta: “Tá
chovendo?” E como ficamos revoltados
quando os moços e moças da meteorologia da
tevê dizem “tempo bom” no Nordeste para in-
[30] dicar que será mais um dia de estiagem.
Tempo bom uma ova. Sorte que pelo menos a
Maju, no JN, tem o cuidado de não cometer
essa indelicadeza, ela mudou essa história,
juro. Sempre lembro do meu avô Manuel No-
[35] vais, pernambucaníssimo em modos e blas-
fêmias, brigando com os locutores do rádio e
da televisão: “Tempo bom para quem, filho de
uma égua!” Daí saía um rosário de palavrões:
febre-do-rato, istampô-calango, besta fubana,
[40] peste bubônica etc.
Quem disse que os meus parentes mais
velhos da Baixada Fluminense, mesmo sob o
bafo no cangote da Intervenção Militar no
Rio, comentaram outra pauta. Só a chuva em
[45] Bodocó (PE) e na encosta na chapada do
Araripe interessa. Em SP, o mesmo coro dos
contentes: do Parque São Rafael, na ZL, a Pi-
rituba, no noroeste paulistano, onde Aristides
Moreno, quase 90 de vida, meu herói de in-
[50] fância, o homem que vi enfrentar secas bra-
bas, coivaras, brocas e escavações de poços
profundos que atingiam o Japão e quase não
chegavam em um veio d´água. Minha tia-avó
Rudá, em São Miguel Paulista,símbolo de re-
[55] sistência sob o sol de Raquel e Graciliano,
que o diga. Esse mar de histórias me chega
pelo amigo Francisco de Assis, meu Homero
das narrações dos “sertanejos do Norte”, das
gentes “lá de nós”, pois.
[60] E tem um livro bonito, rapaz, que mostra
esse nosso alumbramento com a chuva, um
livro de fotos de Fred Jordão, chama Sertão
Verde-paisagens. […]. Desculpem, leitores, o
país sob nuvens de chumbo, um resquício au-
[65] toritário da moléstia dos cachorros, e este cro-
nista, qual o cantor Demetrius, no ritmo da
chuva. É mais forte, colegas, os olhos do ma-
tuto faíscam, a memória rebobina relâmpagos
e promessas de promissores horizontes que, na
[70] maioria das vezes, deram em nada. Quantas
retinas gastas com estes clarões. Sabe lá o que
é isso? […]
Depois de uns sete anos de seca braba na
maior parte do semiárido, que vive processo
[75] de desertificação, a chuva é festa. Tamanha
estiagem, antes de programas como o Bolsa
Família, provocava convulsões sociais e as
notícias de saques eram diárias. Testemunhei
centenas de invasões de hordas de famintos
[80] em feiras livres e armazéns de cereais no Crato
e Nova Olinda. No cemitério de Aratama, dis-
trito de Assaré (CE), via e revia a chegada de
centenas de “anjinhos”, como eram chamados
os recém-nascidos e crianças mortas pela des-
[85] nutrição. Aqueles pequenos caixões azuis
fornecidos por caridade da Igreja Católica
mancham a vista até hoje. “Deus que levou”,
diziam as mães, resignadas, Deussabe como!
Logo mais narrarei toda essa memória pra
[90] Irene, minha filha de um ano, que já viu tem-
pestade desta safra no colo dos avós “lá em
nós”. E não é que a mãe Larissa, um dia antes
de saber o tema dessa crônica, leu para a da-
nada “Ombela, a origem da chuvas” (editora
[95] Pallas Mini, 2014), do irmão angolano
Ondjaki?! Assimele começa o livro e assim eu
acabo esta crônica molhadinha: “Dizem os
mais velhos que a chuva nasceu da lágrima de
Ombela, uma deusa que estava triste”.
(Fonte:Jornal El País - https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/24/opinion/1519484958_938753.html (Adaptado)).
Marque a alternativa em que o uso do “que” é idêntico ao do trecho destacado: “Sorte que pelo menos a Maju, no JN, tem o cuidado de não cometer essa indelicadeza, ela mudou essa história, juro ( ℓ.31 a 34) ”.
Um estudante, que adora fazer sua própria massa ao alho e óleo, participou de dois encontros de Ensino de Física; um ocorreu no Rio de Janeiro, e o outro, em Machu Picchu, no Peru. Sabe-se que o segundo local está a aproximadamente 2 400 m de altitude. O estudante, então, comparou a temperatura de ebulição (“fervura”) de uma mesma quantidade de água, numa panela sem tampa, nesses dois locais, e observou que eram diferentes, mesmo mantendo igual a fonte de calor. Nesse contexto, avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas.
I. A temperatura de ebulição da água no Rio de Janeiro é maior que em Machu Picchu.
PORQUE
II. O peso da coluna de ar sobre a água na panela no Rio de Janeiro é maior que o da coluna de ar em Machu Picchu e, assim, as moléculas de água da superfície do líquido têm mais dificuldades de escaparem dele.
A respeito dessas asserções, assinale a alternativa correta.