Considere o texto de Carlos Drummond de Andrade para responder à questão.
Saio de um instante de cólera e procuro indagar de mim mesmo e de autores a natureza dessa quebra de ritmo vital. Sua natureza e sua razão de ser. Por mais desatinada que seja, ela parece necessária.
Aristóteles mostra-se favorável à cólera moderada, que se manifeste em momento oportuno. E julga menos má a intemperança na ira do que nos prazeres. Os irascíveis logo se apaziguam, o que é uma espécie de compensação. Já os rancorosos...
Montaigne entende que não devemos castigar o erro no instante em que a cólera nos domina. Que diríamos do juiz que, num momento de irritação, condenasse alguém à morte? Quem tem fome serve-se de carne; quem castiga não deve ter fome nem sede. Esta é uma paixão que se apraz a si mesma, e que se lisonjeia; às vezes, uma explicação judiciosa ainda mais a exacerba. Montaigne, entretanto, preferia manifestar sua cólera a mantê-la recolhida, envenenando-lhe a mente. Exprimindo-se, ela se dissolve; contida, vira-se contra nós. E conclui: “Se a cólera é uma arma, como queria Aristóteles, a verdade é que essa arma não se deixa manejar por nós; é ela que nos maneja”.
O moderno Jacques de Lecretelle enfileira em seu ensaio sobre a cólera razões intelectuais em favor de uma explosão ordenada, aristotélica. Mas em seguida mostra quanto é desmoralizadora do ser a crise de violência verbal ou gestual. Por fim, de certo modo se mostra simpático a esse sentido furioso, que costuma identificar-se com a prova de amor. Não encontro nos livros a condenação formal da paixão a que me entreguei, e que me deixou aniquilado.
(O observador no escritório, 2020. Adaptado.)
“Que diríamos do juiz que, num momento de irritação, condenasse alguém à morte?” (3° parágrafo)
Nesse trecho, a forma verbal sublinhada expressa