Texto 1
Enquanto quis Fortuna que tivesse
Esperança de algum contentamento,
O gosto de um suave pensamento
Me fez que seus efeitos escrevesse.
Porém, temendo Amor que aviso desse
Minha escritura a algum juízo isento,
Escureceu-me o engenho co tormento,
Para que seus enganos não dissesse.
Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
A diversas vontades! Quando lerdes
Num breve livro casos tão diversos,
-Verdades puras são e não defeitos -,
Entendei que, segundo o amor tiverdes,
Tereis o entendimento dos meus versos.
Luís Vaz de Camões. In Luís Vaz de Camões. Literatura Comentada. São Paulo. Abril Educação, 1980.
Texto 2
Destes penhascos fez a natureza
O berço, em que nasci! oh quem cuidara,
Que entre penhas tão duras se criara
Uma alma terna, um peito sem dureza!
Amor, que vence os tigres, por empresa
Tomou logo render-me: ele declara
Contra o meu coração guerra tão rara,
Que não me foi bastante a fortaleza.
Por mais que eu conhecesse o dano,
A que dava ocasião minha brandura,
Nunca pude fugir ao cego engano.
Vós, que ostentais a condição mais dura
Temei, penhas, temei; que Amor tirano,
Onde há mais resistência, mais se apura.
Cláudio Manuel da Costa. In Antologia dos Poetas Brasileiros – Poesia da Fase Colonial. Rio de Janeiro. Tecnoprint, 1957
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I – No texto 2, além da antítese visível na primeira estrofe, palavras como “penhas”, “render”, “danos” e “tirano” e o torneio frasal visível no poema são elementos que o aproximam da estética barroca, da qual é sabido que seu autor recebeu certa influência.
II – Os textos em questão são, respectivamente, exemplos da poesia do Classicismo (Renascimento) e Neoclacissismo (Arcadismo). Tais filiações justificam o extremo racionalismo com que as vozes poéticas desenvolvem o tema, sem qualquer impregnação subjetiva.
III – Para a voz poética do texto 1, o entendimento dos seus versos não será o mesmo para todos que o lerem, mas ao contrário, cada leitor os entenderá de acordo com o tipo de amor a que está sujeito.