Observação:
O conjunto de textos abaixo foi extraído da obra de Oswald de Andrade, um dos criadores do Modernismo no Brasil. Os poemas foram transcritos na íntegra, portanto não constituem fragmentos ou excertos.
o violeiro
Vi a saída da lua
Tive um gosto singulá
Em frente da casa tua
São vortas que o mundo dá
Ideal bandeirante
Tome este automóvel
E vá ver o Jardim New-Garden
Depois volte à Rua da Boa Vista
Compre o seu lote
Registre a escritura
Boa firme e valiosa
E more nesse bairro romântico
Equivalente ao célebre
Bois de Bolougne
Prestações mensais
Sem juros
a laçada
O Bento caiu como um touro
No terreiro
E o médico veio de Chevrolé
Trazendo um prognóstico
E toda a minha infância nos olhos
erro de português
Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português
Canto do regresso à pátria
Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosa
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo
pronominais
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Na Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
nova Iguaçu
Confeitaria Três Nações
Importações e Exportação
Açougue Ideal
Leiteria Moderna
Café do Papagaio
Armarinho União
No país sem pecados
Me dá um cigarro
as meninas da gare
Eram três ou quatro moças bem moças e
/bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha
(ANDRADE, Oswald de. Poesias Reunidas. São Paulo. Círculo do Livro. s/d)
Avalie as afirmações sobre os textos de Oswald de Andrade.
I – No seu conjunto, os poemas confirmam a disposição dos primeiros modernistas brasileiros (que têm em Oswald de Andrade seu mais radical representante) de combater o tradicionalismo e o academicismo literários, especialmente no que têm de pomposo e discursivo.
II – Chama a atenção nos poemas o seu aspecto linguístico, o qual representa um “questionamento da retórica em sua base”, cujo resultado é o emprego, por parte do autor, de uma linguagem em que predomina o falar cotidiano, ou seja, bem próxima da língua do povo.
III – Oswald de Andrade é bastante coerente com a intenção manifestada por ele de erradicar de sua poesia qualquer elemento que contraria uma atitude racional e antilírica. Por isso, a ausência nos textos em questão de qualquer traço de lirismo.
IV – Como escritor da fase demolidora e iconoclasta do Modernismo brasileiro, Oswald não se preocupa com a correção linguística. O poema “violeiro”, inclusive, pode ser visto com exaltação do erro como forma de criatividade.
V – A leitura desses poemas permite-nos afirmar que a intenção dessacralizante do autor não se resume à proposta de reabilitação do nosso falar cotidiano; também, como se vê no poema “ideal bandeirante”, admite a incorporação de certos estrangeirismos como forma de adequação ao dinamismo da civilização moderna.