Texto para a questão.
SOBRE MÉDICOS E MONSTROS
Na semana passada, com uma dor de cabeça
que me tirava o sono, resolvi voltar a procurar um
neurologista. Tinha duas opções. A primeira, buscar um
renomado especialista que, anos atrás, identificou
[5] alterações vasculares em meu cérebro e arrancou
lágrimas de minha mãe no momento do diagnóstico,
pintando um cenário um bocado sombrio para meus
próximos anos. A segunda, procurar uma médica bem
menos famosa entre seus pares, que me fez entender os
[10] benefícios que me traria parar de fumar e de tomar
anticoncepcionais, a despeito da persistência das tais
alterações vasculares – diagnóstico para o qual ela tirou
o chapéu, diga-se de passagem.
Procurei a médica.
[15] O professor-doutor-titular-bambambam sequer
sabia que eu fumava ou que tomava pílulas.
Não perguntou. Ele faz parte de um universo crescente de
médicos aos quais não importa a vida, a história, o jeito de
ser do paciente, reduzido ali à condição de doente.
[20] Prescreveu uma meia dúzia de remédios antes de vasculhar
minha rotina e eliminar os fatores de risco. Naturalmente,
não me convenceu. Busquei uma segunda opinião. E lá se
vão mais de 15 anos, com dias menos dolorosos e nenhuma
medicação.
[25] Falo sobre gente, mas não é diferente com
bicho. Há inúmeros exemplos. Um gato pode estar
desidratado porque tem uma importante doença
sistêmica, porque só gosta de água corrente ou porque
sofre com a dominância dos outros gatos e
[30] simplesmente não consegue se aproximar do pote. O
resultado é o mesmo: desidratação. Entretanto, os
problemas são completamente diferentes e exigem
intervenções diferentes.
Entender a rotina do paciente, no entanto,
[35] requer tempo e paciência, o que, não há dúvida, é um
desafio quando se tem dezenas deles na espera ou uma
enorme cobrança por resultados.
Assim é a Medicina, assim é a vida: cheia de
pressões e desafios. Ao bom médico cabe ter clareza de
[40] que ele atende a pacientes, e não a senhas ou filas. De
gente ou de bicho.
Sílvia Corrêa (Texto adaptado) Disponível em: www.folhaonline.com.br. Acesso em: 19 de agosto de 2014.
Analise o primeiro período do texto “Sobre médicos e monstros”:
“Na semana passada, com uma dor de cabeça que me tirava o sono, resolvi voltar a procurar um neurologista.”
Pertencente ao gênero crônica, esse fragmento introduz uma sequência narrativa em 1ª pessoa sem desvios pertinentes à norma-padrão, conforme se verifica também em: