O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA
Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair correndo com ele
para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito
Porque gostava de carregar água na peneira
Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que
carregar água na peneira.
No escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o voo de um pássaro
botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios com as suas peraltagens
E algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos
(BARROS, Manoel de. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010. p. 469-470.)
Com base na leitura do poemà e no que se refere à inserção da poesia de Manoel de Barros na Historiografia Literária Brasileira, analise as afirmatvas:
I. Nota-se, claramente, a inserção do poeta no Modernismo brasileiro de 1922, em que a forma e conteúdo aproximam-se do primeiro vanguardismo europeu.
II. Transfigurando, poeticamente, o universo em suas aparentes e visíveis minudências, Manoel de Barros sublinha, em realidade, a estreita dimensão dos seres humanos diante da natureza, diante da linguagem, e diante do cosmos.
III. Pode-se dizer que Manoel de Barros, na poesia, tal como Guimarães Rosa na prosa, teria levado a situações-limite naquilo que Oswald de Andrade expressava, programaticamente, em seu Manifesto Antropofágico.
IV. Outra característica marcante, na poesia de Manoel de Barros, é o uso de vocabulário coloquial-rural e de uma sintaxe que homenageia a oralidade, ampliando as possibilidades expressivas e comunicativas do léxico por meio da formação de neologismos.
Estão corretas: