TEXTO:
[1] O pobre é pop. A periferia é o centro do mundo. E
a música popular brasileira nunca mereceu tanto ser
chamada assim — embora esteja cada vez mais distante
de um certo totem conhecido como MPB.
[5] A expansão da classe média tem impacto evidente
sobre os padrões de consumo no Brasil, inclusive cultural.
Mas o protagonismo das classes C, D e E nos novos
fluxos de produção e circulação de música não é efeito
colateral de um aumento da renda familiar, simplesmente.
[10] A periferia (cultural, social ou econômica) do Brasil
cansou de esperar o seu lugar ao sol. E tomou pra si o
direito de dizer e fazer o que quer, do jeito que pode,
sabe e gosta.
É uma mudança de paradigmas. Um processo
[15] cumulativo, iniciado ainda nos idos dos anos 90 [do
século passado], que se acentua e ganha relevo,
sobretudo na última década. Uma força irrefreável, que
arde em fogo brando. Ainda que só deixe a sombra da
invisibilidade (para ocupar espaços de validação pública,
[20] como já foi a dita grande mídia) quando o caldo já ferve
há tanto, que só lhe resta entrar em erupção. Por seus
próprios méritos. E, não raro, seus próprios meios.
Foi o que se deu, em boa medida, com fenômenos
da “periferia do bom gosto” como o sertanejo (no Brasil
[25] Central), o axé (na Bahia), o rap (em São Paulo), o funk
carioca (no Rio de Janeiro), o pagode (em São Paulo), o
forró (no Ceará) e, mais recentemente, o tecnobrega
(no Pará).
Em comum, uma música de “gosto duvidoso”, que
[30] geralmente destoa da chamada “linha evolutiva da MPB”.
E que, na sua incontinência habitual, se alastra pelo
país — com ou sem o suporte das grandes corporações
da indústria fonográfica e da mídia.
É a emergência do pobre-star. Que viceja pelos
[35] grotões, nos quatro cantos do país, como sintoma de
que as coisas (há tempos...) já não estão mais tão “sob
controle”, como se supõe que um dia estiveram, do ponto
de vista da agenda estética da elite cultural.
O espanto com que o tecnobrega foi recebido no
[40] Sudeste, há pouco mais de um ano, como algo
“esquisito”, que “brotou do nada”, ilustra bem a crônica
da vida na bolha de um mundo globalizado que, em
certos segmentos da sociedade brasileira, ainda não
voltou o olhar (e a escuta) para além do próprio umbigo.
VALE, Israel do.Tecnobrega, ditadura da felicidade e a erupção do pobre-star. CULT, São Paulo: Bregantini, n. 183, p. 35, set. 2013.
Na ótica do autor,