Naquela manhã o Saldanha estava desesperado: não havia quinze dias que lhe entrara na algibeira, inesperadamente, uma bela nota de quinhentos mil-réis, e já não lhe restava um níquel desse dinheiro!
É verdade que ele passou uma semana de patuscadas, uma semana cheia! A inesperada fortuna coincidira com o aniversário natalício de um dos pequenos, o Nhô-nhô, e tinha havido peru de forno e até champanhe à mesa! Que diabo, um dia não são dias!
O semiconto de réis voou, sem que o imprevidente Saldanha empregasse dez tostões em qualquer coisa útil. A conta da venda – uma conta de cabelos brancos – ficou por pagar, não se comprou um trapinho para as crianças, tão precisadas de roupa!
O dinheiro viera das mãos de certo negociante da rua da Alfândega, que encomendara ao Saldanha uma série de artigos metendo à bulha1 uma companhia em liquidação, isto é, os respectivos liquidantes. O nosso homem, que tinha dedo para essa espécie de literatura, fez obra asseada: as descomposturas produziram o desejado efeito. O prosador contava com cem mil-réis: recebeu quinhentos.
Foi um delírio! O Saldanha subiu radiante a rua do Ouvidor, com cócegas de comprar tudo quanto via exposto nos mostradores das lojas. Parou durante cinco minutos diante de um gramofone. – Que surpresa seria para a pequenada! – Mas resistiu e passou. Foi esse o único movimento bom que teve depois de endinheirado.
(Arthur Azevedo. Seleção de contos, 2014.)
Ao discorrer sobre a condição vivida por Saldanha, o narrador enfatiza que este