[...] ela tinha apenas a recordação daquele filho que a deixara tão cedo. Por isso olha o SemPernas, esfarrapado, com um grande carinho e ao lhe falar sua voz tem uma doçura diferente da de sempre. Há como que um pouco de alegria na doçura da sua voz.
— Entre, meu filho. Deixe estar que vou arranjar um trabalho para você... – pôs a mão fina e aristocrática na cabeça suja do Sem-Pernas e falou para a criada:
— Maria José, prepare o quarto de cima da garagem para este menino. Mostre o banheiro a ele, dê um roupão de Raul, depois dê comida a ele... [...] Faz dois dias que ele não come, pobrezinho...
O Sem-Pernas nada dizia, apenas secava com as costas da mão lágrimas fingidas.
— Não chore... – falou a senhora, e acariciou o rosto da criança.
— A senhora é tão boa. Deus lhe paga...
Depois perguntou como ele se chamava, e o Sem-Pernas deu o primeiro nome que lhe passou pela cabeça:
— Augusto... – e como repetia o nome para si mesmo, para não se esquecer que se chamava Augusto, não viu no primeiro momento a emoção da senhora, que murmurava:
— Augusto, o mesmo nome...
Disse em voz alta, porque agora o Sem-Pernas olhava seu rosto emocionado:
— Meu filho também se chamava Augusto... Morreu quando tinha assim o seu tamanho...
Jorge Amado, Capitães da Areia. Adaptado.
As atitudes do personagem Sem-Pernas revelam que ele