TEXTO
O que faz o brasil, Brasil?
(1) O “brasil”, com b minúsculo, é apenas um objeto sem vida, autoconsciência ou pulsação interior, pedaço de coisa que morre e não tem a menor condição de se reproduzir como sistema; como, aliás, queriam alguns teóricos sociais do século XIX, que viam na terra – um pedaço perdido de Portugal e da Europa – um conjunto doentio e condenado de raças que, misturando-se ao sabor de uma natureza exuberante e de um clima tropical, estariam fadadas à degeneração e à morte biológica, psicológica e social.
(2) Mas o Brasil com B maiúsculo é algo muito mais complexo. É país, cultura, local geográfico, fronteira e território, reconhecidos internacionalmente e também casa, pedaço de chão calçado com o calor de nossos corpos, lar, memória e consciência de um lugar, com o qual se tem uma ligação especial, única, totalmente sagrada.
(3) É igualmente um tempo singular cujos eventos são exclusivamente seus, e também temporalidade que pode ser acelerada na festa do Carnaval; que pode ser detida na morte e na memória e que pode ser trazida de volta na boa recordação da saudade. Tempo e temporalidade de ritmos localizados e, assim, insubstituíveis.
(4) Sociedade onde pessoas seguem certos valores e julgam as ações humanas dentro de um padrão somente seu. Não se trata mais de algo inerte, mas de uma entidade, cheia de autorreflexão e consciência: algo que se soma e se alarga para o futuro e para o passado, num movimento próprio que se chama história.
(5) Aqui, o Brasil é um ser, em parte reconhecido e em parte misterioso, como um grande e poderoso espírito. Como um Deus que está em todos os lugares e em nenhum, mas que também precisa dos homens para que possa se saber superior e onipotente. Onde quer que haja um brasileiro adulto existe com ele o Brasil e, no entanto – tal como acontece com as divindades –, será preciso produzir e provocar a sua manifestação para que se possa sentir sua concretude e seu poder. Caso contrário, sua presença é tão inefável como a do ar que respira e dela não se teria consciência a não ser pela comparação, pelo contraste e pela percepção de algumas de suas manifestações mais contundentes.
(Roberto DaMatta. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro, Rocco, 1986, p. 11-12. Adaptado)
A compreensão do Texto requer que o interpretemos como: