Astroteologia
Aparentemente, foi o filósofo grego Epicuro que sugeriu, já em torno de 270 a.C., que existem inúmeros
mundos espalhados pelo cosmo, alguns como o nosso e outros completamente diferentes, muitos deles
com criaturas e plantas.
Desde então, ideias sobre a pluralidade dos mundos têm ocupado uma fração significativa do debate
[5] entre ciência e religião. Em um exemplo dramático, o monge Giordano Bruno foi queimado vivo pela
Inquisição Romana em 1600 por pregar, dentre outras coisas, que cada estrela é um Sol e que cada Sol
tem seus planetas.
Religiões mais conservadoras negam a possibilidade de vida extraterrestre, especialmente se for inteligente.
No caso do cristianismo, Deus é o criador e a criação é descrita na Bíblia, e não vemos qualquer menção de
[10] outros mundos e gentes. Pelo contrário, os homens são as criaturas escolhidas e, portanto, privilegiadas.
Todos os animais e plantas terrestres estão aqui para nos servir. Ser inteligente é uma dádiva que nos põe
no topo da pirâmide da vida.
O que ocorreria se travássemos contato com outra civilização inteligente? Deixando de lado as inúmeras
dificuldades de um contato dessa natureza – da raridade da vida aos desafios tecnológicos de viagens
[15] interestelares – tudo depende do nível de inteligência dos membros dessa civilização.
Se são eles que vêm até aqui, não há dúvida de que são muito mais desenvolvidos do que nós. Não
necessariamente mais inteligentes, mas com mais tempo para desenvolver suas tecnologias. Afinal,
estamos ainda na infância da era tecnológica: a primeira locomotiva a vapor foi inventada há menos de
200 anos (em 1814).
[20] Tal qual a reação dos nativos das Américas quando viram as armas de fogo dos europeus, o que são
capazes de fazer nos pareceria mágica.
Claro, ao abrirmos a possibilidade de que vida extraterrestre inteligente exista, a probabilidade de que
sejam mais inteligentes do que nós é alta. De qualquer forma, mais inteligentes ou mais avançados
tecnologicamente, nossa reação ao travar contato com tais seres seria um misto de adoração e terror.
[25] Se fossem muito mais avançados do que nós, a ponto de haverem desenvolvido tecnologias que os
liberassem de seus corpos, esses seres teriam uma existência apenas espiritual. A essa altura, seria difícil
distingui-los de deuses.
Por mais de 40 anos, cientistas vasculham os céus com seus radiotelescópios tentando ouvir sinais de
civilizações inteligentes. (...) Infelizmente, até agora nada foi encontrado. Muitos cientistas acham essa
[30] busca uma imensa perda de tempo e de dinheiro. As chances de que algo significativo venha a ser
encontrado são extremamente remotas.
Em quais frequências os ETs estariam enviando os seus sinais? E como decifrá-los? Por outro lado, os
que defendem a busca afirmam que um resultado positivo mudaria profundamente a nossa civilização.
A confirmação da existência de outra forma de vida inteligente no universo provocaria uma revolução.
[35] Alguns até afirmam que seria a maior notícia já anunciada de todos os tempos. Eu concordo.
Não estaríamos mais sós. Se os ETs fossem mais avançados e pacíficos, poderiam nos ajudar a lidar com
nossos problemas sociais, como a fome, o racismo e os confrontos religiosos. Talvez nos ajudassem a
resolver desafios científicos. Nesse caso, quão diferentes seriam dos deuses que tantos acreditam existir?
Não é à toa que inúmeras seitas modernas dirigem suas preces às estrelas e não aos altares.
Marcelo Gleiser Folha de São Paulo, 01/03/2009
Se são eles que vêm até aqui, não há dúvida de que são muito mais desenvolvidos do que nós (ℓ. 16)
O vocábulo que melhor representa o sentido da expressão sublinhada é: