Texto I
Entrevista
Nesta entrevista, o professor de Economia Ricardo Abramovay tece considerações sobre mudanças climáticas.
O medo costuma ser usado pelos ativistas ambientais para divulgar o futuro climático do planeta. Esse é um método eficiente?
[Resp.1] Não, os ambientalistas e os meios de
comunicação já estão reparando que essa não é a
melhor forma de se comunicar. Existem estudos
mostrando que até 80% do noticiário relacionado às
mudanças climáticas é alarmista. Não é culpa dos
meios de comunicação porque, quando alguém abre
o jornal, as catástrofes chamam mais atenção. Então,
é natural que ganhem mais ênfase. É importante
ressaltar que as ameaças não são inventadas. De
fato, vivemos uma situação preocupante. No entanto,
acredito que, se quisermos sensibilizar a população,
é importante expor exemplos e conquistas que permitam
dizer que, apesar dos problemas, há condições
de organizar a vida.
Quais são as consequências da comunicação baseada em catástrofes?
[Resp.2] Se as pessoas têm a expectativa de
que a vida vai piorar, elas acreditam que é melhor
aproveitar enquanto há tempo. Você sabe o que está
acontecendo, mas nada faz a respeito, porque não
haverá um prejuízo imediato. Acredito que, se os gases
de efeito estufa tivessem cor, nunca chegaríamos
a essa situação. As pessoas se revoltariam contra a
poluição. Infelizmente a destruição do sistema climático
não é visível.
Centenas de relatórios científicos também adotam um tom alarmista, mas ainda não convenceram os governos a estabelecer um acordo global. Por quê?
[Resp.3] A capacidade de comunicação da ciência
é muito pequena. Aliás, ela parece avessa à comunicação.
O discurso é hermético. Os relatórios são
difíceis de compreender.
Há exagero quando se fala sobre a possibilidade de racionamentos no setor energético no futuro?
[Resp.4] Nos EUA, alguns anos atrás, achava-se
que seria necessário reduzir o uso de equipamentos
elétricos e eletrônicos que são indispensáveis. O uso
de tecnologias como a energia solar, por um preço
cada vez mais barato, muda completamente esse
quadro. Mostra que a redução das emissões derivadas
do consumo de energia não se traduz em mal-
-estar para as pessoas. Temos técnicas para assegurar
que as mudanças exigidas da sociedade pelo
aquecimento global sejam menos traumáticas do que
pensávamos recentemente.
O senhor acredita que a crise hídrica foi uma lição para a sociedade sobre a fragilidade do fornecimento de energia?
[Resp.5] A ocorrência dos eventos climáticos
extremos coloca a sociedade em um clima de incerteza
totalmente inédito. Não podemos dizer que fenômenos
como esse ocorrerão, por exemplo, a cada
dez anos. Não há uma frequência correta. Falta uma
campanha para mostrar à população que economizar
energia continua sendo muito importante, mesmo
com os avanços tecnológicos.
O senhor já escreveu artigos sobre o Antropoceno, um novo período geológico, o primeiro provocado pelo homem. Como nossa intervenção sobre o planeta tornou-se tão importante?
[Resp.6] Cerca de 10 mil anos atrás, na Revolução
Neolítica, o homem tornou-se uma força biológica,
porque alterou ecossistemas com o surgimento
da agricultura. Desde então, a temperatura do planeta
não sofreu grandes alterações, oscilava cerca
de 1 grau Celsius. Isso mudou a partir da Revolução
Industrial, no fim do século XVIII, quando começamos
a usar combustíveis fósseis. O homem, em vez de
força biológica, converteu-se em uma força geológica.
Em tão pouco tempo, a temperatura já aumentou
0,8 grau Celsius. Além disso, vivemos uma explosão
populacional. Durante o século XX, passamos de
1,6 bilhão para 6,1 bilhões de pessoas. Pela primeira
vez, causamos a chegada de um novo período geológico.
Esse é o Antropoceno.
E o que pode ser feito a partir de agora?
[Resp.7] O Antropoceno não significa o fim do
mundo. A questão é: como transformar o limão em
limonada? Levando em consideração as transformações
que provocamos sobre a Terra, o que significa
uma vida digna? Precisamos aumentar a cooperação
das pessoas, mudar a relação com o mundo natural.
Isso deve ser apoiado em revoluções tecnológicas.
Precisamos de inovações sustentáveis, porque já é
certo que as temperaturas globais aumentarão de
3 a 6 graus Celsius até o fim do século. O sistema
produtivo precisa ser modificado.
GRANDELLE, R. Entrevista com Ricardo Abramovay. Jornal O Globo. Sociedade. 20 jul. 2015. p. 19. Adaptado.
Na entrevista sobre o tema “mudanças climáticas”, o professor defende a tese de que