Leia o texto a seguir, para responder à questão.
Triângulo da alegria
RUY CASTRO
[1] Na condição de passageiro profissional — nunca dirigi um carro —, sempre vi com simpatia a
categoria dos taxistas. O fato de não saber onde fica a rebimboca da parafuseta não me impede de apreciar o
drama desses homens que passam 12 horas por dia amarrados a uma poltrona, enfrentando engarrafamento,
calor, barulho, fumaça, ônibus, caminhões, grosserias, o irritante bibi das motos e, mesmo assim,
[5] principalmente em São Paulo, não gostam de ligar o ar-condicionado.
Pela vida, sentado no banco de trás ou do carona, a quantidade de motoristas que conheci deve ter
superado em número os elencos de Balzac e Zola em seus romances e, em figuras da psicologia, todos os
desvios e transtornos do catálogo.
Já viajei com motoristas neuróticos, estressados, depressivos, hipocondríacos, bipolares, dementes,
[10] delirantes, amnésicos, fóbicos, obsessivos, compulsivos, sonados, insones, bulímicos, anoréxicos, hiperativos
e sujeitos a tiques.
Você dirá que, em 30 minutos de corrida, é impossível diagnosticar o problema do taxista. Também
acho. Na verdade, o que me interessa neles não é a doença, mas o que fazem com ela. Cada qual tem seu
estilo de vencer a exasperação.
[15] Meu favorito é um motorista do ponto de táxis do hotel em que me hospedo há mais de dez anos em
São Paulo. Chama-se Fernando, tem uns 60 anos, cabelos brancos e parece mal-humorado. Mas não é.
Quando o trânsito para naqueles infernais nós, ele tira do porta-luvas um triângulo. Um triângulo
metálico, prateado, e um bastão idem — instrumento vital na cozinha rítmica dos baiões, xaxados, cocos e
outros ritmos do Nordeste de onde, um dia, ele saiu.
[20] Fernando põe para tocar um CD de Luiz Gonzaga. Segura o triângulo com a mão esquerda, o bastão
com a direita e, por alguns minutos, com a maior competência e alegria, torna melhor a vida dele e a minha.
Folha de São Paulo, 2 de abril de 2011, Caderno Opinião.
Nesse texto, para conseguir uma maior adesão dos leitores às suas opiniões, o autor utiliza, entre outros recursos,