Leia o trecho do romance Dona Flor e seus dois maridos, de Jorge Amado, e responda à questão.
Dona Flor não aceitou. Bateu o pé, manteve a escola, suspendendo as aulas apenas durante os breves dias da lua-de-mel em São Tomé. Aproveite-se a deixa para dizer como, na volta do casal, as alunas sapequíssimas puseram a professora na berlinda, numa pagodeira de risos e pilhérias maliciosas, por vezes chulas e, no que tange a Maria Antônia, desagradáveis, pois a desassuntada quis saber qual entre os dois esposos o de melhor chupiça, o de estrovenga mais forçuda e doce.
Voltando, porém, à conversa com o doutor quando do noivado, dona Flor fechou a questão: preferia continuar viúva a terminar com a escola. Desde menina no hábito do trabalho, cedo se acostumara a possuir o seu dinheiro. Se não fosse isso, como teria se arranjado quando da celebração do primeiro casamento e por ocasião da viuvez?
Quando fugira de casa tinha um dinheirinho junto e foi com ele que pagou móveis e papéis de casamento, contrato de aluguel e as despesas dos primeiros dias. E se não fosse a escola, como fazer quando de repente enviuvou? O finado nada deixara de seu a não ser dívidas: não havia sucursal de banco em Salvador onde não se encontrasse um papagaio com sua garbosa assinatura, nem amigo ou conhecido a quem o picareta não tivesse esfaqueado. Desencarnara, ao demais, em pleno Carnaval, época de despesas gordas e fatais.
Não fosse a escola, e dona Flor ter-se-ia visto em completo alvéu, sem vintém para o enterro e o mais. Por tudo isso dava tanta importância a seu trabalho, a suas economias, seus cobres em secreto esconderijo.
Nada de fechar a escola, meu querido, se me quiser é com a Sabor e Arte funcionando; tenha a santa paciência, não lhe satisfaço essa vontade, peça outra coisa, lhe cubro de mil beijos, me atiro nos seus braços, mas a escola não lhe dou de dote, é minha garantia. Você entende, Teodoro?
Nem era trabalho tamanho, de matar ninguém. Ao contrário, um prazer, um entretenimento: ajudara-lhe a suportar o tempo vazio da viuvez e antes, ah!, antes, nos anos do primeiro matrimônio, impedira seu desespero. Nas aulas e alunas encontrou conforto para suportar os dias negros e confusos. Quantas excelentes amigas não fizera em torno do fogão e do livro de receitas, mais valiosas ainda que o dinheiro? Não, não abria mão da escola, seu ganha-pão e seu honesto passatempo.
(AMADO, J. Dona Flor e seus dois maridos. 52ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 280-281.)
Com base no trecho e nos conhecimentos sobre outros autores relevantes da Literatura Brasileira, considere as afirmativas a seguir.
I. O romance é publicado na segunda metade do século XX, após o surgimento de textos de João Guimarães Rosa.
II. Percebe-se a referência a situações picantes e toques de humor, bastante frequentes em textos de Graciliano Ramos.
III. Observa-se a ambientação do romance em espaços nordestinos assolados pela seca, assim como em textos de Rachel de Queiroz.
IV. O romance expõe costumes populares, assim como, antes, já fizera Lima Barreto.
Assinale a alternativa correta.