A angústia da múltipla escolha
Outro dia um jornalista me perguntou se eu achava que as
pessoas andavam muito infelizes em suas vidas amorosas. Eu
não tenho procuração para responder pelos outros, mas acho
que o termo infeliz é um pouco dramático. Conheço inúmeros
[5] casais que vão muito bem, obrigado. O que existe hoje talvez
seja uma angústia generalizada em razão da quantidade de
portas que a liberação sexual nos ofertou. Tem a porta A, que
nos leva a um casamento monogâmico; a porta B, que nos
leva a um caso extraconjugal; a porta C, que nos leva a uma
[10] vida de solteiro com inúmeros romances; a porta D, que nos
leva a uma bissexualidade ativa; a porta E, que nos leva à
paternidade; a porta F, que nos leva à separação; (...) e as
portas seguem se multiplicando nesse corredor de ofertas.
Antes a vida tinha menos opções. Você casava para
[15] sempre e constituía uma família, já que a reprodução era a
razão de ser da sexualidade. Ou então não casava e virava tia,
uma mulher à margem, que não havia dado sorte, coitada. Os
homens tinham um pouco mais de liberdade, mas também
acabavam aprisionados pela ética vigente: ou se
[20] transformavam em reprodutores e provedores, ou não eram
boa coisa.
Depois que a pílula anticoncepcional entrou no mercado,
sexo deixou de existir apenas para procriação e passou a
existir pelo prazer. E o prazer é múltiplo, advém de arranjos
[25] variados. Mesmo ainda pressionados por alguns padrões, hoje
temos mais informação e mais autonomia para bater à porta
do estilo de vida que acreditamos que nos trará mais
satisfação. O problema é que esse prazer, que antes era
facultativo, virou obrigatório. Ai de você se não tiver “x”
[30] parceiros no seu currículo, “n” orgasmos a cada transa, enfim,
uma biografia de arrebentar. Sua vida erótica tem que ser nada
menos que inimitável. Ela passou a ser mais importante que
sua vida emocional, ao menos para consumo externo.
Deveriam andar juntos amor e sexo. Isso restringiria o
[35] número de portas e, por consequência, a angústia de ter que
escolher apenas uma e renunciar às outras. Mas amor e sexo
não andam mais juntos e as pessoas ficam perdidas,
procurando um amor estável e ao mesmo tempo se abrindo
para emoções efêmeras, tentando canalizar seu desejo e ao
[40] mesmo tempo sendo excitados por inúmeros estímulos que
chegam da TV, do cinema e das revistas.
Não creio que estejamos mais infelizes no amor, mas um
pouco tontos, certamente. Muitas possibilidades nos atraem e
ao mesmo tempo nos paralisam. O que cada um de nós quer
[45] e precisa? Foco e autoconhecimento para transitar nesse
freeshop erótico-afetivo sem virar refém do próprio deslumbre.
(MEDEIROS, Martha. In: Revista O Globo, 13/09/2009, p. 20)
O acento grave em à porta (L.26) informa que essa expressão não tem valor substantivo, mas sim adverbial. Estratégia semelhante deve ser empregada em: