UEL 2014 2° Fase
40 Questões
– Canudos pretos! exclamou ele.
Eram as calças pretas que eu acabava de vestir. Exclamou e riu, um risinho em que o espanto vinha mesclado de escárnio, o que ofendeu grandemente o meu melindre de homem moderno. Porque, note V. Exª, ainda que o nosso tempo nos pareça digno de crítica, e até de execração, não gostamos de que um antigo venha mofar dele às nossas barbas. Não respondi ao ateniense; franzi um pouco o sobrolho e continuei a abotoar os suspensórios. Ele perguntou-me então por que motivo usava uma cor tão feia...
– Feia, mas séria, disse-lhe. Olha, entretanto, a graça do corte, vê como cai sobre o sapato, que é de verniz, embora preto, e trabalhado com muita perfeição.
E vendo que ele abanava a cabeça:
– Meu caro, disse-lhe, tu podes certamente exigir que o Júpiter Olímpico seja o emblema eterno da majestade: é o domínio da arte ideal, desinteressada, superior aos tempos que passam e aos homens que os acompanham. Mas a arte de vestir é outra coisa. Isto que parece absurdo ou desgracioso é perfeitamente racional e belo, – belo à nossa maneira, que não andamos a ouvir na rua os rapsodas recitando os seus versos, nem os oradores os seus discursos, nem os filósofos as suas filosofias. Tu mesmo, se te acostumares a ver-nos, acabarás por gostar de nós, porque...
– Desgraçado! bradou ele atirando-se a mim.
Antes de entender a causa do grito e do gesto, fiquei sem pinga de sangue. A causa era uma ilusão. Como eu passasse a gravata à volta do pescoço e tratasse de dar o laço, Alcibíades supôs que ia enforcar-me, segundo confessou depois. E, na verdade, estava pálido, trêmulo, em suores frios. Agora quem se riu fui eu. Ri-me, e expliquei-lhe o uso da gravata, e notei que era branca, não preta, posto usássemos também gravatas pretas. Só depois de tudo isso explicado é que ele consentiu em restituir-ma. Atei-a enfim, depois vesti o colete.
– Por Afrodita! exclamou ele. És a coisa mais singular que jamais vi na vida e na morte. Estás todo cor da noite – uma noite com três estrelas apenas – continuou apontando para os botões do peito. O mundo deve andar imensamente melancólico, se escolheu para uso uma cor tão morta e tão triste. Nós éramos mais alegres; vivíamos...
(ASSIS, M. Uma visita de Alcibíades (Carta do desembargador X... ao chefe de polícia da Corte.) In: Papéis avulsos. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011. p.230-231.)
Com base nesse trecho e na prévia leitura do conto, é CORRETO afirmar que a história é narrada,
– Canudos pretos! exclamou ele.
Eram as calças pretas que eu acabava de vestir. Exclamou e riu, um risinho em que o espanto vinha mesclado de escárnio, o que ofendeu grandemente o meu melindre de homem moderno. Porque, note V. Exª, ainda que o nosso tempo nos pareça digno de crítica, e até de execração, não gostamos de que um antigo venha mofar dele às nossas barbas. Não respondi ao ateniense; franzi um pouco o sobrolho e continuei a abotoar os suspensórios. Ele perguntou-me então por que motivo usava uma cor tão feia...
– Feia, mas séria, disse-lhe. Olha, entretanto, a graça do corte, vê como cai sobre o sapato, que é de verniz, embora preto, e trabalhado com muita perfeição.
E vendo que ele abanava a cabeça:
– Meu caro, disse-lhe, tu podes certamente exigir que o Júpiter Olímpico seja o emblema eterno da majestade: é o domínio da arte ideal, desinteressada, superior aos tempos que passam e aos homens que os acompanham. Mas a arte de vestir é outra coisa. Isto que parece absurdo ou desgracioso é perfeitamente racional e belo, – belo à nossa maneira, que não andamos a ouvir na rua os rapsodas recitando os seus versos, nem os oradores os seus discursos, nem os filósofos as suas filosofias. Tu mesmo, se te acostumares a ver-nos, acabarás por gostar de nós, porque...
– Desgraçado! bradou ele atirando-se a mim.
Antes de entender a causa do grito e do gesto, fiquei sem pinga de sangue. A causa era uma ilusão. Como eu passasse a gravata à volta do pescoço e tratasse de dar o laço, Alcibíades supôs que ia enforcar-me, segundo confessou depois. E, na verdade, estava pálido, trêmulo, em suores frios. Agora quem se riu fui eu. Ri-me, e expliquei-lhe o uso da gravata, e notei que era branca, não preta, posto usássemos também gravatas pretas. Só depois de tudo isso explicado é que ele consentiu em restituir-ma. Atei-a enfim, depois vesti o colete.
– Por Afrodita! exclamou ele. És a coisa mais singular que jamais vi na vida e na morte. Estás todo cor da noite – uma noite com três estrelas apenas – continuou apontando para os botões do peito. O mundo deve andar imensamente melancólico, se escolheu para uso uma cor tão morta e tão triste. Nós éramos mais alegres; vivíamos...
(ASSIS, M. Uma visita de Alcibíades (Carta do desembargador X... ao chefe de polícia da Corte.) In: Papéis avulsos. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011. p.230-231.)
Com base no texto, considere as afirmativas a seguir.
I. O trecho “uma noite com três estrelas apenas” assinala a ideia de que somente três botões brilhantes do colete contrastavam com a melancolia evocada pela cor preta do traje.
II. A passagem assinala o choque cultural entre figuras representantes de momentos históricos distintos. Diante do narrador, o homem da antiguidade assombra-se com a moda oitocentista.
III. Ao reconhecer a supremacia da arte grega, cujo símbolo é o Júpiter Olímpico, o narrador admite a falta de requinte dos vestuários modernos.
IV. Ironicamente, a escolha da cor preta para o vestuário de uma noite de gala evoca, no conto, a ideia de luto pela extinção dos valores da antiguidade clássica.
Assinale a alternativa correta.
– Canudos pretos! exclamou ele.
Eram as calças pretas que eu acabava de vestir. Exclamou e riu, um risinho em que o espanto vinha mesclado de escárnio, o que ofendeu grandemente o meu melindre de homem moderno. Porque, note V. Exª, ainda que o nosso tempo nos pareça digno de crítica, e até de execração, não gostamos de que um antigo venha mofar dele às nossas barbas. Não respondi ao ateniense; franzi um pouco o sobrolho e continuei a abotoar os suspensórios. Ele perguntou-me então por que motivo usava uma cor tão feia...
– Feia, mas séria, disse-lhe. Olha, entretanto, a graça do corte, vê como cai sobre o sapato, que é de verniz, embora preto, e trabalhado com muita perfeição.
E vendo que ele abanava a cabeça:
– Meu caro, disse-lhe, tu podes certamente exigir que o Júpiter Olímpico seja o emblema eterno da majestade: é o domínio da arte ideal, desinteressada, superior aos tempos que passam e aos homens que os acompanham. Mas a arte de vestir é outra coisa. Isto que parece absurdo ou desgracioso é perfeitamente racional e belo, – belo à nossa maneira, que não andamos a ouvir na rua os rapsodas recitando os seus versos, nem os oradores os seus discursos, nem os filósofos as suas filosofias. Tu mesmo, se te acostumares a ver-nos, acabarás por gostar de nós, porque...
– Desgraçado! bradou ele atirando-se a mim.
Antes de entender a causa do grito e do gesto, fiquei sem pinga de sangue. A causa era uma ilusão. Como eu passasse a gravata à volta do pescoço e tratasse de dar o laço, Alcibíades supôs que ia enforcar-me, segundo confessou depois. E, na verdade, estava pálido, trêmulo, em suores frios. Agora quem se riu fui eu. Ri-me, e expliquei-lhe o uso da gravata, e notei que era branca, não preta, posto usássemos também gravatas pretas. Só depois de tudo isso explicado é que ele consentiu em restituir-ma. Atei-a enfim, depois vesti o colete.
– Por Afrodita! exclamou ele. És a coisa mais singular que jamais vi na vida e na morte. Estás todo cor da noite – uma noite com três estrelas apenas – continuou apontando para os botões do peito. O mundo deve andar imensamente melancólico, se escolheu para uso uma cor tão morta e tão triste. Nós éramos mais alegres; vivíamos...
(ASSIS, M. Uma visita de Alcibíades (Carta do desembargador X... ao chefe de polícia da Corte.) In: Papéis avulsos. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011. p.230-231.)
Com base no trecho citado e na prévia leitura do conto, considere as afirmativas a seguir.
I. No segundo parágrafo, os termos “melindre”, “mofar” e “sobrolho” significam, respectivamente, “escrú- pulo”, “zombar” e “sobrancelha”.
II. No último parágrafo, o trecho “És a coisa mais singular que jamais vi na vida e na morte” constitui uma reelaboração criativa do ditado popular: “Eu vou morrer e ainda não vou ver tudo”.
III. A recorrência do sinal de travessão, a indicar a mudança de interlocutores na narrativa, assinala que, embora seja um conto, “Uma visita de Alcibíades” estrutura-se como uma peça teatral.
IV. No conto, há um distanciamento do real. Após ser invocado, Alcibíades, morto há vários séculos, surge fisicamente na residência do narrador, dialoga com ele e, ao final da narrativa, sofre uma segunda morte.
Assinale a alternativa correta.
Pero
– Vossa mãe foi-se? Ora bem!
Sós nos deixou ela assim?
Quanto a mim quero-me ir daqui,
não diga algum demo alguém...
Inês
– Vós, que me havíeis de fazer,
nem ninguém que há-de dizer?
(à parte)
Oh! Galante despejado!
Pero
– Se eu fora já casado,
d’outra arte havia de ser...
como homem de bom recado.
(VICENTE, G. Farsa de Inês Pereira. Adaptação de Cecília Reggiane Lopes. São Paulo: Global, 2005. p.29-30.)
Assinale a alternativa que apresenta, corretamente, uma interpretação para essa cena.
Pero
– Vossa mãe foi-se? Ora bem!
Sós nos deixou ela assim?
Quanto a mim quero-me ir daqui,
não diga algum demo alguém...
Inês
– Vós, que me havíeis de fazer,
nem ninguém que há-de dizer?
(à parte)
Oh! Galante despejado!
Pero
– Se eu fora já casado,
d’outra arte havia de ser...
como homem de bom recado.
(VICENTE, G. Farsa de Inês Pereira. Adaptação de Cecília Reggiane Lopes. São Paulo: Global, 2005. p.29-30.)
Assinale a alternativa que corresponde à lição aprendida por Inês, com seu casamento.
Gil Vicente é mestre no uso de alegorias e metáforas em seus autos e farsas, como exemplifica o trecho a seguir.
Mãe [dirigindo-se a Inês]:
– Cala-te, que poderá ser,
que antes da Páscoa vêm os Ramos. (p.16).
Assinale a alternativa que corresponde, corretamente, à metáfora destacada no trecho.