UEA - SIS 2015 2ª Etapa
64 Questões
A questão focalizam a comédia O juiz de paz da roça do escritor Martins Pena (1815-1848).
JUIZ: Sr. Escrivão, faça o favor de ler.
ESCRIVÃO (lendo): Diz Inácio José, natural desta freguesia e casado com Josefa Joaquina, sua mulher na face da Igreja, que precisa que Vossa Senhoria mande a Gregório degradado1 para fora da terra, pois teve o atrevimento de dar uma embigada2 em sua mulher, na encruzilhada do Pau-Grande, que quase a fez abortar, da qual embigada fez cair a dita sua mulher de pernas para o ar. Portanto pede a Vossa Senhoria mande o dito Gregório degradado para Angola. E.R.M.3
JUIZ: É verdade, Sr. Gregório, que o senhor deu uma embigada na senhora?
GREGÓRIO: É mentira, Sr. Juiz de paz, eu não dou embigadas em bruxas.
JOSEFA JOAQUINA: Bruxa é a marafona4 de tua mulher, malcriado! Já não se lembra que me deu uma embigada, e que me deixou uma marca roxa na barriga? Se o senhor quer ver, posso mostrar.
JUIZ: Nada, nada, não é preciso; eu o creio.
JOSEFA JOAQUINA: Sr. Juiz, não é a primeira embigada que este homem me dá; eu é que não tenho querido contar a meu marido.
JUIZ: Está bom, senhora, sossegue. Sr. Inácio José, deixe-se destas asneiras, dar embigadas não é crime classificado no Código. Sr. Gregório, faça o favor de não dar mais embigadas na senhora; quando não, arrumo-lhe com as leis às costas e meto-o na cadeia. Queiram-se retirar.
INÁCIO JOSÉ (para Gregório): Lá fora me pagarás.
JUIZ: Estão conciliados.
(Comédias (1833-1844), 2007.)
1 degradado: degredado, banido, exilado.
2 embigada: umbigada; pancada de umbigo contra umbigo, ou na região do umbigo.
3 E.R.M.: “Espera receber mercê”.
4 marafona: boneca sem rosto, constituída de uma cruz de madeira recoberta de pano.
Muito do efeito cômico desta passagem deve-se
A questão focalizam a comédia O juiz de paz da roça do escritor Martins Pena (1815-1848).
JUIZ: Vamos às outras partes.
ESCRIVÃO (lendo): Diz João de Sampaio que, sendo ele “senhor absoluto de um leitão que teve a porca mais velha da casa, aconteceu que o dito acima referido leitão furasse a cerca do Sr. Tomás pela parte de trás, e com a sem-cerimônia que tem todo o porco, fossasse1 a horta do mesmo senhor. Vou a respeito de dizer, Sr. Juiz, que o leitão, carece agora advertir, não tem culpa, porque nunca vi um porco pensar como um cão, que é outra qualidade de alimária2 e que pensa às vezes como um homem. Para V. Sa. não pensar que minto, lhe conto uma história: a minha cadela Troia, aquela mesma que escapou de morder a V. Sa. naquela noite, depois que lhe dei uma tunda3 nunca mais comeu na cuia com os pequenos. Mas vou a respeito de dizer que o Sr. Tomás não tem razão em querer ficar com o leitão só porque comeu três ou quatro cabeças de nabo. Assim, peço a V. Sa. que mande entregar-me o leitão. E.R.M.”
JUIZ: É verdade, Sr. Tomás, o que o Sr. Sampaio diz?
TOMÁS: É verdade que o leitão era dele, porém agora é meu.
SAMPAIO: Mas se era meu, e o senhor nem mo comprou, nem eu lho dei, como pode ser seu?
TOMÁS: É meu, tenho dito.
SAMPAIO: Pois não é, não senhor. (agarram ambos no leitão e puxam, cada um para sua banda)
JUIZ (levantando-se): Larguem o pobre animal, não o matem!
(Comédias (1833-1844), 2007.)
1 fossar: revolver ou escavar com o focinho.
2 alimária: qualquer animal, especialmente quadrúpede.
3 tunda: surra.
Na passagem, João de Sampaio
A questão focalizam a comédia O juiz de paz da roça do escritor Martins Pena (1815-1848).
Assim, o “juiz de paz” é composto com uma face venal1 e arbitrária, não obstante as veleidades2 de rigor que o cargo lhe faculta.
(Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira, 1994.)
1 venal: relativo a venda; que é receptivo a suborno.
2 veleidade: afetação ou vaidade; fantasia.
A referida “face venal” do juiz está bem exemplificada em:
O viés abertamente cômico e satírico observado nas comédias de Martins Pena encontra paralelo em um conhecido romance do Romantismo brasileiro, a saber,
É na convergência de ideais antirromânticos, como a objetividade no trato dos temas e o culto da forma, que se situa a poética do Parnasianismo. Seus traços de relevo: o gosto da descrição nítida, concepções tradicionalistas sobre metro, ritmo e rima e, no fundo, o ideal da impessoalidade que partilhavam com os realistas do tempo.
(Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira, 1994. Adaptado.)
Considerando tal caracterização, assinale a alternativa em que se verifica o trecho de um poema parnasiano.
Leia o texto para responder à questão.
Capítulo XVI
Uma reflexão imoral
Ocorre-me uma reflexão imoral, que é ao mesmo tempo uma correção de estilo. Cuido haver dito, no capítulo XIV, que Marcela morria de amores pelo Xavier. Não morria, vivia. Viver não é a mesma coisa que morrer; assim o afirmam todos os joalheiros desse mundo, gente muito vista na gramática. Bons joalheiros, que seria do amor se não fossem os vossos dixes1 e fiados? Um terço ou um quinto do universal comércio dos corações. Esta é a reflexão imoral que eu pretendia fazer, a qual é ainda mais obscura do que imoral, porque não se entende bem o que eu quero dizer. O que eu quero dizer é que a mais bela testa do mundo não fica menos bela, se a cingir um diadema de pedras finas; nem menos bela, nem menos amada. Marcela, por exemplo, que era bem bonita, Marcela amou-me…
Capítulo XVII
Do trapézio e outras coisas
…Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos. Meu pai, logo que teve aragem2 dos onze contos, sobressaltou-se deveras; achou que o caso excedia as raias de um capricho juvenil.
— Desta vez, disse ele, vais para a Europa; vais cursar uma universidade, provavelmente Coimbra; quero-te para homem sério e não para arruador e gatuno. E como eu fizesse um gesto de espanto: — Gatuno, sim, senhor; não é outra coisa um filho que me faz isto…
Sacou da algibeira os meus títulos de dívida, já resgatados por ele, e sacudiu-mos na cara. — Vês, peralta? é assim que um moço deve zelar o nome dos seus? Pensas que eu e meus avós ganhamos o dinheiro em casas de jogo ou a vadiar pelas ruas? Pelintra3! Desta vez ou tomas juízo, ou ficas sem coisa nenhuma.
Estava furioso, mas de um furor temperado e curto. Eu ouvi-o calado, e nada opus à ordem da viagem, como de outras vezes fizera; ruminava a ideia de levar Marcela comigo.
(Machado de Assis. Memórias póstumas de Brás Cubas, 2001.)
1 dixe: joia.
2 aragem: sumiço, evaporação.
3 pelintra: malandro.
Metalinguagem: linguagem sobre linguagem. Discurso sobre um sistema de signos (língua, etc.) por meio desse próprio sistema.
(Celso Pedro Luft. Abc da língua culta, 2010.)
Verifica-se a ocorrência de metalinguagem no seguinte trecho: